Demanda por lenha para cozinhar destrói floresta tropical no Congo

Local com importância equivalente à da Amazônia está ameaçado por uso de madeira para fazer carvão

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Dionne Searcey
The New York Times

Todos os dias, no final da tarde, mulheres carregando nas costas sacos com galhos saem do mato e pegam uma estrada ao sul do Equador. Homens passam em motos, um após o outro, carregando sacos de carvão. Meninos caminham com um tronco pendurado nos ombros, como se estivessem carregando uma baguete.

No meio das árvores, Debay Ipalensenda larga o machado e junta-se a esse desfile, que está destruindo lentamente uma das paisagens mais importantes do mundo, tudo para cozinhar uma refeição.

A cena se desenrola não apenas nesse trecho de estrada no Congo, mas em todos os 3,36 milhões de quilômetros quadrados de floresta tropical na Bacia do Congo, a segunda maior do mundo.

Homem está de pé com uma pá na mão no alto de uma montanha de madeira carbonizada
Forno para fazer carvão ao lado de um afluente do rio Congo em Mbandaka, na República Democrática do Congo - Ashley Gilbertson/The New York Times

É um ritual que, por sua onipresença, é uma tragédia. E não apenas para as gerações de pessoas que não tiveram outros meios de preparar alimentos além de cozinhá-los a lenha, mas também para todo o planeta, pois as florestas, ao absorver o carbono, são essenciais para retardar o aquecimento global, mas aqui estão sendo desmanchadas árvore por árvore e, em alguns casos, galho por galho.

A indústria madeireira do Congo arranca árvores antigas preciosas para uso em móveis e na construção de casas, contribuindo para a destruição das florestas —sobretudo quando não são regulamentadas adequadamente. Além disso, faixas inteiras de florestas são queimadas para dar lugar à agricultura.

Mas a invasão da floresta por pessoas comuns em busca de material para cozinhar também é surpreendentemente destrutiva. Isso ocorre em parte porque derrubar e queimar árvores libera estoques de dióxido de carbono na atmosfera, onde ele atua como um cobertor, retendo o calor do sol e aquecendo o planeta.

Mas, além disso, cozinhar com lenha e carvão —madeira que é queimada até ser reduzida a carbono quase puro, que queima por mais tempo e a maior temperatura— afeta a qualidade do ar com as partículas emitidas na fumaça.

Quase 90% dos 89,5 milhões de habitantes do Congo dependem de lenha e carvão para cozinhar, segundo estimativas do Banco Mundial. O Congo perdeu mais de 480 mil hectares de floresta primária em 2021, principalmente com moradores desmatando terras para a agricultura e coleta de madeira para fazer fogo e carvão, segundo o Global Forest Watch.

Ipalensenda faz parte do comércio em expansão que abastece uma população crescente. Enquanto ele cortava um tronco de árvore, o baque de seu machado caseiro ecoava pela floresta. Ele não queria estar trabalhando ali, na mata, onde gira o machado por horas a fio. Ele já teve planos maiores.

"Meu sonho? Bem...", ele suspirou e fez uma pausa, apoiando-se no machado, enquanto uma borboleta amarela voava perto do seu rosto. "Meu sonho era ser médico."

Ipalensenda, 33, se formou no ensino médio e planejava cursar a universidade. Então seu pai adoeceu e morreu. De repente, coube a ele sustentar a família.

"Agora sou carvoeiro", disse.

O trabalho era um dos poucos disponíveis para ele nas pequenas comunidades de casas de tijolos de barro que margeiam a orla da floresta. Afinal, todo mundo precisa cozinhar as refeições de alguma forma.

A maior parte da destruição das florestas do Congo é uma questão de sobrevivência. Apesar de sua vasta paisagem arborizada, rios impetuosos e abundância de pedras preciosas, minerais e metais, o país é um dos mais pobres do mundo. É também um dos menos eletrificados.

A rede elétrica mal existe nesta nação de desigualdades gritantes. Isso é verdade mesmo a centenas de quilômetros de Ipalensenda, na capital, Kinshasa, onde os hotéis e boates reluzentes ocultam a realidade: mesmo ali, numa das maiores cidades da África, relativamente poucas pessoas usam fogões a gás ou elétricos.

"Eu tenho eletricidade, e isso mudou minha vida", disse Israel Monga, um dos felizardos, que estava na rua numa tarde abafada. Mas Monga tem conexões: ele é um eletricista que trabalha para a Société Nationale d'Électricité, a companhia elétrica nacional.

A história é diferente para quase todo o resto.

Menos de 17% do país têm acesso à eletricidade, segundo o Banco Mundial, e os quem têm estão acostumados a problemas. Pequenas chamas irrompem regularmente dos poucos fios elétricos que cobrem Kinshasa, e os apagões são comuns. No início deste ano, mais de duas dúzias de pessoas morreram quando uma linha de energia se rompeu e caiu num mercado lotado.

Padarias onde são feitas baguetes e um pão de mandioca pastoso chamado fufu geralmente dependem de carvão ou madeira para assar. Assim como as barracas que vendem o prato popular, maionese de frango com uma mistura picante de cebola e pimentão. E o mesmo acontece com inúmeras pessoas que cozinham em casa.

A maioria dos moradores de Kinshasa depende de galhos e briquetes que são transportados para a cidade em caminhões todos os dias, produto de inúmeros carvoeiros e coletores de madeira que atacam as florestas em áreas rurais.

O Congo tem um enorme potencial de energia limpa. Alguns pesquisadores acreditam que o rio Congo, que serpenteia pelo país, poderia ser aproveitado para abastecer todo o continente. O governo há décadas tenta colocar mais instalações hidrelétricas na rede.

No entanto, um plano para criar mais represas, que poderia dobrar a capacidade da de Três Gargantas, na China, foi paralisado, em parte porque o projeto está emperrado em disputas entre empresas internacionais que concorrem à obra. O atual sistema hidrelétrico está em ruínas e é mal administrado.

Enquanto isso, políticos, acadêmicos, ativistas, instituições financeiras globais e empresários tentam encontrar soluções para livrar as famílias do carvão. Alguns projetos fornecem energia limpa para diversas comunidades em todo o país. Alguns são projetados para ensinar os moradores a construir fornos em que o carvão é feito com menos madeira, ou a fazer carvão ecológico a partir de resíduos orgânicos.

Mas nada disso chegou a Ipalensenda. Ele entra na floresta diariamente, serpenteando descalço durante horas, entre árvores em terreno pantanoso. Faz metade do percurso com água na altura da coxa, numa floresta irregular onde grupos de árvores já foram cortados.

"Fomos ensinados que cortando a floresta o oxigênio desaparecerá", disse ele. "Isso me deixa preocupado, é claro, mas o que você pode fazer quando vê que a única maneira de alimentar sua família é cortar árvores? Não há outra opção."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.