Pioneiro em valorizar a Amazônia, Acre vê pecuária derrubar floresta

Especialistas dizem que proprietários rurais de outros estados, atraídos pelo preço da terra, têm acelerado desmate, proporcionalmente o maior da região

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São Paulo

Pioneiro na valorização da floresta, conhecido pela ideia de "florestania", e lar de Chico Mendes, o Acre assiste à expansão da pecuária sobre a Amazônia com a migração para o estado de proprietários rurais que buscam terras mais baratas.

Além do desmate, o Acre ainda sofre com problemas de saúde derivados das queimadas e com uma seca histórica em rios.

Assim como parte dos estados da Amazônia Legal, o Acre registrou explosão no desmatamento durante o governo Bolsonaro. A média de derrubada de 2010 a 2018 era de cerca de 300 km² por ano, mas, nos últimos três anos, saltou para mais de 700 km².

Em 2021, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o estado chegou perto de 900 km² de destruição da Amazônia. Comparado aos mais de 13 mil km² registrados em todo o bioma no último ano, o número pode parecer pequeno. Mas o problema é a proporcionalidade.

Segundo análise do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), o Acre tem sido o estado que, proporcionalmente, mais desmata a Amazônia no Brasil. O problema se concentra, especialmente, nas áreas privadas e em assentamentos.

Fumaça cobre parte da floresta amazônica às margens da BR-317, em Xapuri, no Acre
Fumaça cobre parte da floresta amazônica às margens da BR-317, em Xapuri, no Acre - Caio Guatelli - 25.set.2019/Folhapress

Parte dos pontos críticos está às margens da BR-364, como nos municípios de Feijó, Tarauacá, Sena Madureira e Rio Branco.

Os especialistas ouvidos pela Folha afirmam que, já há alguns anos, a "florestania" —ideia que pode ser resumida como um processo de valorização da floresta em pé— foi abandonada.

Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam, relembra que o Acre foi pioneiro no ideário de preservação da floresta em pé com a criação das reservas extrativistas —e considerado exemplar na estruturação de políticas de pagamentos por serviços ambientais. "Entretanto, não foi o suficiente para inibir a escalada de desmatamento", conclui.

Sonaira Silva, pesquisadora da Ufac (Universidade Federal do Acre), aponta algumas ações que não tiveram o sucesso esperado: uma fábrica de camisinhas e melhores preços para borracha e castanha.

Silva cita um levantamento de sua equipe que observou que desde 2017 houve aumento de cerca de cinco vezes na área de plantio de milho e soja no estado, que tinha produção inexpressiva até então.

Essas atividades, concluíram, têm ocorrido em locais de pastos já consolidados —ou seja, não estão diretamente envolvidas em desmatamento. A questão é que, se a área de pastagem antiga agora é ocupada por grãos, novas terras para o gado tendem ser abertas.

De acordo com especialistas, o desmate atual no Acre não é fruto da população local. Produtores rurais de outros estados, atraídos pelos valores baixos dos terrenos, impulsionam esse processo.

"O Acre tem uma vocação natural que por muitos anos foi extrativista. O perfil dos produtores locais não é de desmatar e eles nem têm condições para isso", diz Jarlene Gomes, coordenadora do Ipam no Acre. "Desmatar uma área grande custa caro."

Segundo Gomes, além disso, o pequeno produtor local está sem incentivos suficientes para produções agroecológicas e sustentáveis.

A Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes é um exemplo disso. Apesar de frentes de resistência seringueira, dados do Inpe apontam onda de desmatamento no local, ainda mais intensa que no restante do estado.

De 2010 até 2018, a média de desmate anual na área protegida era de cerca de 16 km². Nos últimos três anos foi superior a 70 km².

"Ela [a Resex] está mais para uma área de minifazendas do que para uma reserva que conserva o extrativismo", define Gomes.

Soma-se a tudo isso a construção de milhares de ramais (estradas não oficiais) que cortam o estado e o ligam ao Amazonas. "Isso gera impactos irremediáveis", diz a pesquisadora da Ufac.

Gomes relembra também que, em geral, o desmatamento não gera PIB e não está ligado ao desenvolvimento de uma região ou ao combate à pobreza, por beneficiar poucas pessoas.

Outros problemas relacionados às derrubadas são as queimadas e sua fumaça —vinda do próprio Acre e também dos estados amazônicos vizinhos.

Isso resulta em anos de vida perdidos, alerta Foster Brown, professor-associado da Ufac e pesquisador do centro de pesquisa climática Woodwell.

"[Há] efeitos na saúde de pessoas, em termos de clima regional e global, e em termos de qualidade e quantidade de água nos rios", diz o cientista.

Na manhã desta quinta (29), o rio Acre alcançou a marca de 1,26 metro em Rio Branco, o nível mais baixo da história, segundo a Coordenadoria de Proteção e Defesa Civil do Acre. De acordo com a Defesa Civil, o estado passa por uma das secas mais severas já registradas.

O lixo é outro problema grave. Segundo os pesquisadores ouvidos, há problemas com lixões em praticamente todos os municípios acreanos.

A Folha procurou a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e das Políticas Indígenas, mas não houve resposta até a publicação.

As pesquisas de intenção de voto no estado apontam que Gladson Cameli (PP), atual governador e aliado de Bolsonaro, pode se reeleger ainda no primeiro turno. O segundo colocado é Jorge Viana (PT).

Cameli afirma, em seu programa de governo, que durante sua gestão o agro acreano assumiu o relevo e o protagonismo "durante muito tempo negados por políticas equivocadas".

Entre as ações propostas pelo candidato do PP estão desburocratizar o sistema de licenciamento ambiental, ampliar fiscalização de desmate e queimadas, ter projetos de mercado verde e estímulo à destinação adequada de resíduos sólidos.

Já Viana, em seu projeto de governo, diz ter "compromisso com um desenvolvimento econômico sustentável", com geração de valor "a partir do uso da terra, da floresta e sua biodiversidade". Ele cita também o "agronegócio sustentável".

A proposta do candidato do PT fala em "combater todo e qualquer tipo de grilagem e invasão de terras e contribuir de forma efetiva na mediação de conflitos agrários", além de fomentar a bioeconomia, com produtos compatíveis com a floresta, e os ganhos com serviços ambientais.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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