Em Tocantins, 'caixa-d'água do Brasil', desmate ameaça rios

Com avanço da fronteira agrícola, nascentes de importantes bacias hidrográficas do país ficam em risco

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Beatriz Jucá
Fortaleza

O Tocantins tem visto o desmatamento ilegal avançar sobre seu território. No ano passado, oito em cada dez proprietários de terra que desmataram no estado não tinham autorização —mesmo assim, suprimiram vegetação de uma área equivalente a 30 mil campos de futebol, aponta relatório recente do Ministério Público.

Integrante da principal nova fronteira agrícola do país, o Matopiba (composta ainda por Maranhão, Piauí e Bahia), o estado precisa fortalecer a fiscalização e avançar na destinação de parte de seu território para frear o desmatamento, defendem pesquisadores.

No ritmo atual, o problema do desmate já ameaça as nascentes das principais bacias hidrográficas do país, uma vez que o Tocantins é conhecido como a "caixa-d'água brasileira", por ser um berço de fontes importantes, inclusive para o agronegócio.

Espelho retrovisor de trator mostra o campo cheio de pés de milho
Colheita de milho no município de Mateiros (TO) - Lalo de Almeida - 12.mai.2015/Folhapress

Com cerca de 91% do território ocupado pelo cerrado e 9% pela Amazônia, o Tocantins sofre principalmente com o desmatamento oriundo da grilagem e do avanço da agropecuária.

"De 2020 para 2021 o que vimos foi um aumento da área desmatada dentro do estado", diz Bianca Santos, pesquisadora do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). O Tocantins está em quarto lugar entre os nove estados da Amazônia Legal que mais aumentaram o desmatamento no período.

A pesquisadora ressalta que, quando o desmatamento ocorre próximo às nascentes, agrava a crise hídrica. Uma das maiores preocupações é o nível elevado de degradação da bacia Tocantins-Araguaia, resultante da atividade humana nos últimos 20 anos.

Quase metade dela foi desmatada, e os afluentes do rio Araguaia têm sofrido com a retirada de água para agricultura irrigada.

O Governo do Tocantins disse à Folha que vem reforçando a fiscalização para combater o desmatamento. Desde março, segundo a gestão, o estado conta com sistema de alertas de desmatamento e queimadas com imagens de satélite diárias, para um monitoramento semanal.

No front do problema, povos tradicionais que sentem os efeitos do desmate e do avanço de criminosos pelo seu território apontam que é preciso mais ação tanto na esfera federal quanto na estadual.

"A questão ambiental está piorando e colocando em risco o bioma e as nossas comunidades quilombolas e indígenas. Não conseguimos usar todo o nosso território. O solo e as águas estão sendo envenenados com agrotóxicos", conta Evandro Moura Dias, da Coordenação das Comunidades Quilombolas do Tocantins.

Para ele, é preciso que os próximos governantes reconheçam legalmente as comunidades tradicionais para protegê-las de conflitos por terra.

Como se repete em todo o país, as áreas ambientais mais protegidas do Tocantins costumam estar em unidades de conservação, terras indígenas e comunidades tradicionais. No estado, 13,25% da área estão demarcados como unidade de conservação ou terras indígenas.

O estado já tem uma parte significativa do território em propriedades privadas, mas ainda há terras sem destinação de uso. De acordo com o Imazon, 90% dessas áreas sem destinação são de responsabilidade estadual.

E boa parte delas nem sequer está registrada em cartório, o primeiro passo para o processo de regularização —seja para proprietários particulares seja para transformá-las em unidades de conservação.

A ação, segundo pesquisadores, é fundamental para conseguir preservar a vegetação nativa. Isso porque, sem a destinação dessas terras, não há legislação que as proteja de invasões.

Outro ponto é que a legislação fundiária do Tocantins não impede a regularização de áreas desmatadas recentemente. O relatório "Leis e Práticas de Regularização Fundiária no Estado do Tocantins", do Imazon, aponta que invasores de terras públicas podem regularizar as áreas pagando valores irrisórios.

O hectare (10 mil m²) custa em média R$ 3,50, mas há casos casos em que, com R$ 1, o grileiro pode ter a posse definitiva da área invadida e desmatada.

O Governo do Tocantins diz que tem adotado as medidas de combate à grilagem, com regularização fundiária nos termos previstos na legislação. O governo também afirma que criou a Delegacia de Repressão e Conflitos Agrários e realiza ações em territórios quilombolas.

Há décadas, a Amazônia tocantinense vem sendo transformada para o uso da agropecuária. Nos últimos anos, porém, esse processo cresceu com o cultivo de grãos e a silvicultura, explica Renato Torres, doutor em ecologia e professor da Universidade Federal do Tocantins.

"Essa é a parte atualmente mais degradada. Nós temos em torno de 20% de cobertura vegetal remanescente nessa parte da Amazônia tocantinense", aponta.

A área de cerrado, ele diz, também foi ocupada inicialmente com a pecuária e, mais recentemente, com a produção de grãos.

"Esse processo de transformação da terra é favorecido pelas políticas públicas. Nós também temos uma questão relacionada à legislação. Só um terço das áreas do cerrado devem ser conservadas pelos proprietários particulares, enquanto na Amazônia são 80%", lembra Torres.

Nestas eleições, as intenções de voto para governador no Tocantins se concentram em duas candidaturas, segundo as pesquisas.

Candidato à reeleição e líder nas pesquisas, o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) propõe promover desenvolvimento econômico através da agropecuária, respeitando o meio ambiente e as políticas de preservação.

No plano de governo, cita como principais ações a redução de queimadas e do desmatamento, a expansão do Conselho Estadual de Meio Ambiente e a atualização das normas ambientais.

Em segundo lugar nas pesquisas, o candidato Ronaldo Dimas (PL) quer tornar os processos de licenciamento ambiental menos burocráticos e modernizar a fiscalização ambiental.

Seu plano de governo fala em "apoiar técnica e financeiramente a recuperação de áreas degradadas para aumento da produtividade agrícola" e fortalecer a gestão participativa nos conselhos e órgãos colegiados.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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