Justiça sobre perdas e danos climáticos testará diplomacia na COP27

Líderes mundiais abrem evento da ONU, que busca ações no curto prazo contra a crise

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Sharm el-Sheikh (Egito)

Com a intensificação dos desastres climáticos pelo mundo, a Conferência do Clima da ONU deste ano vira palco de decisões urgentes.

O sucesso da COP27, que acontece até o dia 18 em Sharm el-Sheikh, no Egito, será testado pela capacidade dos países encontrarem uma solução para compensar as perdas e danos de regiões que já são afetadas pelo clima, de acordo com diplomatas de diferentes países que chegam para as duas semanas de negociações.

Entre os inscritos para a cúpula dos líderes estão protagonistas da agenda climática, como o presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz. Por conta das eleições para o parlamento americano, o presidente Joe Biden só deve chegar ao Egito na segunda semana da COP. Já o líder chinês Xi Jinping não deve comparecer à conferência.

O atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, tampouco irá à COP, que já contará com a presença do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, na segunda semana do evento. Representantes da equipe de transição devem acompanhá-lo, assim como Marina Silva, eleita deputada federal pela Rede em São Paulo e cotada para retornar ao comando do Ministério do Meio Ambiente.

Logotipo da COP no canteiro central de uma estrada com palmeiras
Logotipo da COP27, conferência do clima da ONU, em estrada em Sharm el-Sheikh, no Egito - Sayed Sheasha - 20.out.2022/Reutes

Com a conclusão da regulamentação do Acordo de Paris no último ano, o desafio colocado para a COP-27 é a implementação do acordo climático.

Para tanto, não basta que os países façam suas lições de casa, cumprindo as metas climáticas definidas por cada nação no Acordo de Paris (as chamadas NDCs, sigla em inglês para contribuições nacionalmente determinadas).

A soma global das NDCs ainda coloca o mundo em uma rota de aquecimento global de 2,4ºC, apenas um pouco abaixo do que alcançaremos com as políticas atuais (2,8ºC) e ainda muito acima de 1,5ºC, teto de aquecimento global que evitaria as consequências mais desastrosas da crise, como o desaparecimento de países-ilha.

Na COP27, negociadores buscarão destravar a ambição das metas climáticas no curto prazo, na tentativa de aproximar os anúncios das demandas colocadas pela ciência. Segundo o painel do clima da ONU, as emissões globais de gases-estufa precisam começar a cair nos próximos três anos para chegar até o final da década com cerca da metade dos níveis de 2010.

Neste ano, o contexto de Guerra da Ucrânia e as consequências sobre o preço dos alimentos e da energia também aumenta o desafio para que os países se comprometam com metas de curto prazo, enquanto a União Europeia passa a investir em fontes fósseis para buscar a independência do fornecimento de gás russo.

Para além do contexto de crise, o G20, grupo que reúne países responsáveis por 75% das emissões, aumentou os investimentos em fontes fósseis de 2020 para 2021. Eles passaram de US$ 147 bilhões para US$ 190 bilhões na soma do bloco, segundo levantamento da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Há ainda outras travas de implementação do acordo climático que impedem anúncios mais ambiciosos dos países para diminuir as emissões. O bloco dos países desenvolvidos —que carrega responsabilidade histórica pelas emissões lançadas na atmosfera nos últimos dois séculos— é cobrado para aumentar o financiamento das ações climáticas.

O dinheiro precisa ser dividido entre ações de mitigação (ou seja, a redução de emissões de gases-estufa) e de adaptação (que significa o preparo dos territórios para lidar com as mudanças climáticas, com estruturas mais resilientes).

Enquanto doadores priorizam investir em mitigação, que tem impacto global, os países receptores do financiamento têm nas ações de adaptação uma prioridade local.

Neste ano, os países devem buscar criar uma meta de adaptação —algo que hoje só existe para mitigação e que poderia dar parâmetros para o financiamento climático.

Para negociadores do bloco em desenvolvimento, a questão central desta COP depende do bloco dos países desenvolvidos chegar disposto a avançar em seus compromissos de financiamento, sem condicionar os aportes a novas metas de redução de emissões por parte do mundo em desenvolvimento.

Ao longo de suas 27 edições, a Conferência das Partes (COP, na sigla em inglês) da Convenção do Clima da ONU deixou de tratar uma ameaça futura —prevista por cientistas e negociada por diplomatas— para lidar com uma emergência global presente, deflagrada pelo aumento dos desastres climáticos pelo mundo.

Um exemplo recente aconteceu em junho no Paquistão, onde inundações mataram mais de 1.700 pessoas e causaram crise alimentar.

Previstos pelo painel do clima da ONU há cerca de 30 anos, os eventos climáticos extremos já são percebidos em todo o mundo e colocam em pauta uma negociação sobre a compensação por perdas e danos sofridos em decorrência dessa crise.

O tema é evitado pelas nações ricas, que temem se comprometer com uma fatura cujo valor pode ser exorbitante —e cobrado pelos países mais vulneráveis ao clima, como as pequenas ilhas, que vêm perdendo território pelo avanço do nível do mar.

A expectativa dos negociadores é que a presidência egípcia da COP27 priorize os temas de adaptação e perdas e danos, caros ao continente africano.

Na reunião preparatória da COP, que aconteceu em junho em Bonn, na Alemanha, países mais vulneráveis reclamaram que as negociações deixaram de fora as pautas de adaptação (que negocia financiamento para ações de preparo para as mudanças climáticas e prevenção de danos) e de compensação por perdas e danos (que trata dos danos consumados, em casos onde já não houve adaptação climática). Os temas foram tratados em workshops e diálogos informais, que não baseiam decisões.

Na avaliação de observadores das negociações, a capacidade dos países encararem os dois temas testará a chance de sucesso do Acordo de Paris.

Apesar do novo capítulo das COPs, agora finalmente voltado à implementação do acordo climático, velhos desafios de negociação seguem em pauta. A conversa entre os blocos dos países em desenvolvimento e dos desenvolvidos ainda trava por falta de confiança sobre o cumprimento de compromissos assumidos no passado.

No rol de frustrações que ameaçam a confiança entre os negociadores, destaca-se a promessa feita pelas nações ricas em 2009 de levantar US$ 100 bilhões para o financiamento climático até 2020. O montante só deve ser completado em 2023, segundo estimativa da ONU.

Na COP26, o apelo da presidência britânica da conferência pelo aumento da ambição das metas climáticas gerou frustração dos países em desenvolvimento, por não vir acompanhado de mais compromissos com o financiamento das ações climáticas —uma responsabilidade assumida pelas nações desenvolvidas.

Esse descompasso acabou rendendo um retrocesso ao final da negociação, quando China e Índia saíram em defesa da permanência do uso do carvão.

Para o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, o momento pede um pacto entre países desenvolvidos e economias emergentes. Em fala à imprensa na última quinta (3), ele defendeu que países desenvolvidos façam esforço extra para reduzir emissões e que as economias mais ricas providenciem apoio técnico e financeiro para a transição energética em economias emergentes.

"A COP27 deve ser o lugar para fechar as lacunas de ambição, de credibilidade e de solidariedade", afirmou.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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