Na COP27, tradicional protesto de sexta-feira tem vigilância e área cercada

Manifestação do grupo Fridays for Future durou menos de uma hora e só pôde ocorrer dentro do espaço que recebe a conferência do clima no Egito

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Sharm el-Sheikh (Egito)

Sexta-feira é dia de protesto climático, algo já clássico nas COPs, as conferências da ONU para mudança do clima. O evento, que costuma ser grande nas ruas que sediam as COPs, teve, porém, uma versão reduzidíssima na manhã desta sexta (11), dentro do próprio complexo que hospeda a COP27, em Sharm el-Sheik, no Egito.

Apesar de pequeno, o grupo era fotografado e filmado por um segurança egípcio, em mais um dia de sensação de vigilância entre os manifestantes da sociedade civil que vieram para a conferência.

A Folha, que acompanhava a manifestação pacífica dos jovens do grupo Fridays for Future, cuja duração foi de menos de uma hora, presenciou o momento em que um observador de direitos humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) que passava pelo local flagrou o segurança egípcio registrando a manifestação com seu celular.

Jovens seguram cartazes em uma marcha
Vanessa Nakate (ao centro), ativista ugandense, em protesto do grupo Fridays for Future nesta sexta-feira (11) na COP27 - Fayez Nureldine/AFP

Questionado quanto ao motivo de estar fazendo isso, o segurança —com o crachá dentro da camisa— disse que não entendia inglês e saiu andando.

Mais um segurança chegou então ao local. O observador da ONU pediu o contato de superiores e os nomes dos homens, mas não obteve respostas.

A reportagem ouviu diversos outros relatos sobre a sensação de vigilância constante sobre membros da sociedade civil durante a COP27.

O Egito é acusado de violações de direitos humanos e há estimativas que apontam para dezenas de milhares de presos políticos. No país, protestos são virtualmente proibidos devido às diversas restrições aplicadas.

Por isso mesmo, não houve e, ao que tudo indica, não haverá manifestações nas ensolaradas e não muito amigáveis aos pedestres ruas de Sharm el-Sheikh, cidade cheia de resorts e que muitas vezes é usada para convenções.

Em teoria, há um outro local fora do espaço da COP no qual os protestos também são permitidos. Desde o início da conferência, a Folha procura pelo espaço, ainda sem sucesso —não há informações sobre a sua localização, nem mesmo entre funcionários que trabalham no evento.

Grupo caminha com faixa "climate reparations" (reparações climáticas)
Marcha de ativistas nesta sexta-feira dentro do espaço da COP27, no Egito - Fayez Nureldine/AFP

"As pessoas que estão aqui no protesto são somente as pessoas que puderam ter acesso à conferência, um acesso restrito. Muita gente não tinha dinheiro e credenciais para vir aqui. Essa aqui é uma comunidade de ativistas climáticos muito pequena", afirma Dominika Lasota, 20, ativista do Fridays for Future.

Também estava presente na manifestação a jovem ativista Vanessa Nakate, de Uganda. Greta Thunberg, fundadora do Fridays for Future, não participa da COP neste ano. Antes do evento, a sueca justificou a ausência dizendo que a conferência é palco para greenwashing.

"Nós sentimos que estamos sendo observados pelo regime egípcio", diz a ativista Helena Marschall, 20. "Esse é o espaço limitado que temos e tentamos usá-lo da melhor maneira possível", completa ela, ao citar a possibilidade de protestar somente dentro da área do evento.

O ativismo dentro dos muros do centro que hospeda a COP —mais especificamente a chamada área azul, onde ocorrem as negociações climáticas— tem sido bastante regulado. Além dos avisos com antecedência, as manifestações têm tempos delimitados.

Ariadne Papatheodorou, 18, diz que se lembra das movimentações intensas para as manifestações em Glasgow, no Reino Unido, durante COP26. Uma realidade totalmente diferente do que encontrou no Egito.

"Nós, oito pessoas, sentamos no chão para organizar alguma coisa e, imediatamente, um segurança apareceu e começou a nos filmar", conta Papatheodorou.

Em cânticos e cartazes, não podem ser citados nomes de pessoas/políticos, empresas, países e organizações.

O grupo brasileiro Engajamundo fez na quinta (10) um ato em memória de defensores ambientais assassinados. Não foi permitido pela UNFCCC (sigla em inglês para a convenção-quadro da ONU para mudanças climáticas), no entanto, o uso dos nomes dos ambientalistas mortos.

Os ativistas que a reportagem ouviu afirmam que têm sido filmados, fotografados e acompanhados por seguranças. E não só por seguranças.

Uma das pessoas com quem a Folha conversou faz parte de um grupo que teve mensagens privadas expostas nas redes sociais do membro do parlamento egípcio Amr Darwish. O político é o mesmo que tentou intimidar Sanaa Seif —irmã do preso político britânico-egípcio Alaa Abd el-Fattah— durante uma entrevista coletiva na última terça (8) e foi retirado do local pela segurança do evento.

Segurança circunda homem vestido de terno em meio a um grupo de pessoas
Amr Darwish, político egípcio, é retirado de evento da COP27 por segurança após interromper evento sobre a situação de Alaa Abd el-Fattah, preso político em greve de fome há 200 dias - Mohamed Abd El Ghany/Reuters

Fattah está em greve de fome e de água —em protesto contra as condições em que se encontra na prisão—, e a família afirma que não tem prova de vida do ativista.

As fotos das mensagens do grupo foram tiradas durante um evento no estande da Alemanha na COP27, que recebia Sanaa Seif e Hossam Bahgat, diretor-executivo da Iniciativa Egípcia pelos Direitos Pessoais. Também ativista, ele está sendo processado e foi proibido de sair do país.

O evento no espaço alemão, acompanhado pela reportagem, estava lotado. Em meio à plateia, mais de uma pessoa do grupo de ativistas teve as mensagens fotografadas e posteriormente expostas, inclusive com os nomes aparecendo.

Na conversa, o grupo combinava uma ação no local com camisetas com a expressão "Free Alaa" (libertem Alaa). Darwish, na postagem, que já tem milhares de likes, comentários e compartilhamentos, usa "#escândalo" e diz que Deus quis revelar a situação.

Retrato de homem com barba
Alaa Abd el-Fattah, ativista egípcio que está em greve de fome na prisão, em foto de maio de 2019 em sua casa, no Cairo; um dos presos políticos mais conhecidos do país, ele parou até mesmo de tomar água nos últimos dias - Khaled Desouki - 17.mai.2019/AFP

A sensação de ser observado chega a fazer com que alguns manifestantes se questionem. Será que isso está realmente acontecendo ou seria paranoia?

Um grupo com quem a reportagem conversou afirmou que, fora do espaço da COP27, foi seguido até um táxi por um segurança, após ter jantado em um restaurante. O mesmo homem parecia estar observando e fotografando a mesa enquanto comiam.

A Folha também ouviu reclamações sobre o local onde há material para confecção de cartazes e outros objetos. Trata-se, segundo manifestantes, de uma área exposta, fora da zona da COP em si, em que pessoas de fora da conferência podem ver quem está ali trabalhando.

Com toda a sensação de observação, há, segundo os jovens, uma preocupação —especialmente em relação aos manifestantes do Sul Global— quanto ao retorno para os seus países de origem..

Até mesmo os ativistas egípcios experientes dizem temer pelo pós-COP. Durante sua fala no pavilhão da Alemanha, Hossam Bahgat afirmou que não tem ideia do que pode acontecer com quem participar dos eventos.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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