Transição quer separar dados de desmatamento de Bolsonaro e Lula

Grupo ambiental estuda revisar Prodes para não contabilizar números da atual gestão; também há intenção de aprimorar Fundo Amazônia

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Brasília

O grupo de trabalho ambiental da equipe de transição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) planeja mudar a divulgação de dados de desmatamento e separar os números registrados sob Jair Bolsonaro (PL) daqueles verificados sob a nova gestão petista.

Integrantes do grupo têm conversado com membros do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que cuida dos dados relacionados ao desmatamento no país e é responsável pelo Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite).

Atualmente, o Prodes consolida os dados de desmatamento a cada 12 meses contados entre agosto e julho, ou seja, abarcando cinco meses de um ano e sete de outro. Dessa forma, a primeira divulgação do governo Lula consideraria parte de dados herdados da gestão de Bolsonaro.

Áreas de pastagem devastada na floresta Amazônica, na região da bacia do rio Tapajós, no estado do Pará
Áreas de pastagem devastada na floresta Amazônica, na região da bacia do rio Tapajós, no estado do Pará - Pedro Ladeira - 24.fev.22/Folhapress

Por isso, a equipe ambiental estuda divulgar os cinco meses finais de 2022 separadamente e, a partir de janeiro 2023, iniciar um novo ciclo anual.

"Não me parece justo que o presidente Lula já inclua no próximo ano, em julho do ano que vem, cinco ou seis meses de desmatamento recorde do Bolsonaro", afirmou à Folha Jorge Viana, coordenador do grupo de trabalho ambiental.

Segundo ele, não é necessário alterar a metodologia de aferição do Prodes, mas sim mudar a forma de consolidação dos dados. Há ainda a possibilidade de aumentar a periodicidade das divulgações, por exemplo com informes mensais.

"O grupo está colocando o pessoal para pensar. É uma discussão que estamos começando", disse Viana, que é ex-governador do Acre.

Segundo integrantes do grupo de trabalho ambiental, a medida é plausível e custaria R$ 4 milhões, mas ainda se estuda a melhor forma de viabilizá-la do ponto de vista científico e político.

Por um lado, seria necessário atualizar todo o banco de dados e revisar as séries históricas passadas. Também é preciso chegar a um acordo com órgãos internacionais que fazem acompanhamento do desmatamento, por exemplo, para avaliações de políticas nacionais do país.

Sob Bolsonaro, o Brasil registrou taxas recordes de desmatamento, causado pela explosão do garimpo, pelo desmonte de políticas de proteção ambiental, por queimadas e pela ação de madeireiros.

Os últimos dados do Prodes foram divulgados, com atraso, no último dia 30. Pela quarta vez consecutiva, o desmatamento na Amazônia, no acumulado de 12 meses, ultrapassou os 10 mil km².

O número é cerca de 11% inferior à taxa do período anterior e interrompe uma sequência de crescimento que vinha desde 2018.

De toda forma, os números permanecem elevados —os mais de 11 mil km² equivalem a mais de sete cidades de São Paulo ou uma Manaus—, e são especialmente preocupantes ao se considerar os alertas de que a Amazônia não está distante de um ponto de não retorno.

Se ele for atingido, devido ao desmatamento, a floresta poderá passar por uma savanização, com a perda de sua biodiversidade e serviços ecossistêmicos.

Atualização do Fundo Amazônia

Paralelamente, existe um debate, ainda embrionário, sobre o Fundo Amazônia. A visão de integrantes do grupo é que o mecanismo, criado em 2008, hoje está desatualizado.

O grupo entende que a primeira missão é destravar o fundo, que acabou paralisado após Bolsonaro extinguir o os dois órgãos de governança do fundo, o Comitê Orientador (o Cofa) e o Comitê Técnico (o CTFA), o que causou a suspensão das doações por parte de Noruega e Alemanha.

Há hoje cerca de R$ 3,2 bilhões congelados do mecanismo, mas existem indícios de que isso deve ser resolvido com certa facilidade, uma vez que Noruega e Alemanha sinalizaram que vão retomar os aportes com a chegada do governo Lula.

A avaliação do grupo de trabalho ambiental é que, recriados os órgãos de governança e desbloqueado o dinheiro —o que deve acontecer no início do mandato—, será o momento de atualizar o seu funcionamento.

Atualmente, ele tem apenas uma forma de execução: é o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) quem capta recursos e também quem decide como direcioná-los, contratando projetos na área ambiental.

"Vamos sugerir que essa seja uma das primeiras medidas de Lula, para mostrar que a agenda mudou completamente. Se o fundo foi deixado de lado [com Bolsonaro], o Lula pode fazer um movimento de trazer a comunidade internacional que quer colaborar para a gente ter um fundo operando já nos primeiros dias de governo", afirmou Jorge Vianna.

Integrantes do grupo trabalham com a perspectiva de que, por exemplo, seja possível receber doações para finalidades ou áreas específicas —por exemplo, combate ao desmatamento ou demarcação de terras indígenas, a depender da exigência dos financiadores.

Para isso, além da recriação dos órgãos de controle, seria preciso reforçar a estrutura do BNDES.

A revisão do funcionamento do fundo pode ser importante especialmente porque, como mostrou a Folha, a equipe de Lula já negocia a entrada de novos doadores para ampliá-lo.

Pessoas que acompanham o tema dizem que há negociações em curso para que a Suíça faça um aporte. França e Reino Unido também foram consultados sobre possíveis doações.

Outro ponto será rever a situação dos projetos já aprovados, mas que foram afetados pelo congelamento do fundo. Será necessário, segundo pessoas de grupo, ver se o projeto ainda faz sentido, se o bloqueio não o inviabilizou e até se os proponentes ainda têm interesse em seguir com o trabalho.

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