Estados Unidos aprovam primeira vacina para abelhas

Vacinação poderá abrir caminho para o controle de uma série de vírus e pragas

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Remy Tumin
The New York Times

Uma empresa de biotecnologia da Geórgia, sudeste dos Estados Unidos, recebeu aprovação condicional do Departamento de Agricultura para a primeira vacina para abelhas melíferas, medida que, segundo os cientistas, poderá abrir caminho para o controle de uma série de vírus e pragas que dizimaram a população global. É a primeira vacina aprovada para um inseto nos Estados Unidos.

A empresa Dalan Animal Health, com sede em Athens, na Geórgia, desenvolveu uma vacina profilática que protege as abelhas da loque americana, bactéria agressiva que pode se espalhar rapidamente entre colmeias. Os tratamentos anteriores incluíam a queima das colônias infectadas e de todo o equipamento associado, ou o uso de antibióticos. A Diamond Animal Health, fabricante que está colaborando com a Dalan, detém a licença condicional.

Abelha em flor; empresa de biotecnologia da Geórgia recebe aprovação para desenvolver vacina - Rivaldo Gomes - 14.out.20/Folhapress

Dalail Freitak, professora associada de pesquisa de abelhas na Universidade Karl-Franzens de Graz, na Áustria, e diretora científica da Dalan, disse que a vacina pode ajudar a mudar a maneira como os cientistas abordam a saúde animal.

"Existem milhões de colmeias em todo o mundo, e elas não têm um bom sistema de saúde em comparação com outros animais", disse ela. "Agora temos as ferramentas para melhorar sua resistência contra doenças."

Antes que você comece a imaginar uma pequena seringa sendo inserida em uma abelha, a vacina, que contém versões mortas da bactéria Paenibacillus larvae, vem na forma de alimento. A vacina é incorporada à geleia real, um alimento açucarado dado às abelhas rainhas. Uma vez ingerida, a vacina é então depositada em seus ovários, dando imunidade às larvas em desenvolvimento à medida que eclodem.

Os cientistas há muito supõem que os insetos não podem adquirir imunidade porque carecem de anticorpos, as proteínas que ajudam o sistema imunológico de muitos animais a reconhecer e combater bactérias e vírus.

Uma vez que os cientistas entenderam que os insetos poderiam de fato adquirir imunidade e passá-la para seus descendentes, Freitak começou a responder à questão de como eles faziam isso. Em 2015, ela e dois outros pesquisadores identificaram a proteína específica que provoca uma resposta imune na prole e perceberam que poderiam cultivar imunidade em uma população de abelhas com uma única rainha.

Seu primeiro objetivo era combater a loque americana, doença bacteriana que torna as larvas marrom-escuras e faz com que a colmeia emita um cheiro de podre (também conhecida como cria pútrida americana). A doença se espalhou durante os anos 1800 e início dos anos 1900 em colônias de abelhas em partes dos Estados Unidos.

Embora a loque americana não seja tão destrutiva quanto os ácaros varroa, a bactéria pode facilmente eliminar colônias de 60 mil abelhas.

A introdução de uma vacina ocorre num momento crítico para as abelhas, que são vitais para o sistema alimentar mundial, mas estão em declínio globalmente devido às mudanças climáticas, pesticidas, perda de hábitats e doenças.

"Não existe uma solução perfeita, mas existe um caldo tóxico de causalidade, e parte dele inclui doenças novas e outras antigas e conhecidas", disse Keith Delaplane, professor de entomologia da Universidade da Geórgia e diretor de seu programa de abelhas, que forneceu bases de pesquisa para Dalan. "É a morte por mil cortes."

Enquanto se alimentam de pólen e néctar, as abelhas polinizam cerca de um terço das colheitas de alimentos nos Estados Unidos e ajudam a produzir cerca de US$ 15 bilhões em colheitas por ano. Muitos apicultores alugam suas colmeias em todo o país para ajudar na polinização de amêndoas, peras, cerejas, maçãs e outros produtos.

Pelo menos três quartos das plantas com flores requerem a ajuda de polinizadores, incluindo abelhas, borboletas e mariposas, para produzir frutas e sementes.

Chris Hiatt, que cria abelhas na Dakota do Norte e na Califórnia e é o presidente da Associação Americana de Produtores de Mel, participou do teste da vacina durante o verão com cerca de 800 abelhas rainhas na Dakota do Norte.

"Os apicultores simplesmente não querem depender de antibióticos. Aa maioria dos apicultores administra uma vez por ano ou quando há surtos", disse ele. "Os antibióticos podem eliminar alguns dos micróbios benéficos. Isto tem o potencial de adicionar outras coisas também."

Annette Kleiser, CEO da Dalan, chamou a vacina de "um grande avanço".

"As abelhas são gado e devem ter as mesmas ferramentas modernas para cuidar delas e protegê-las que temos para nossas galinhas, gatos, cachorros e assim por diante", disse Kleiser.

A aprovação condicional é um mecanismo que permite às empresas acelerar a aprovação de vacinas se demonstrarem que há uma necessidade alta e não atendida no mercado, disse Kleiser.

"A agência percebe que essas novas ferramentas são necessárias no mercado para ajudar a mudar as práticas", disse Kleiser, acrescentando que o Departamento de Agricultura recomendou que a empresa seguisse um caminho condicional "para colocar a vacina no mercado o mais rápido possível".

Kleiser disse que a empresa precisava apresentar provas de "segurança, pureza e certos graus de eficácia" para obter a aprovação e que pretendia continuar coletando dados enquanto solicitava a aprovação total. Dalan também espera usar a vacina contra loque americana como um mapa para produzir vacinas para outras doenças que afetam as abelhas.

"Quando começamos, não havia um caminho regulatório", disse ela. "Ninguém jamais desenvolveu uma vacina contra insetos; são animais silvestres que voam por aí", em comparação com o gado domesticado e animais de estimação com protocolos de vacinação. Ela acrescentou: "Realmente esperamos mudar a indústria agora".

Delaplane, o entomologista da Universidade da Geórgia, concordou.

"Algum dia", disse ele, "poderemos ter um coquetel que resolva muitos problemas das abelhas. Seria o Santo Graal."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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