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MPF entra com ação na Justiça para impedir afundamento de porta-aviões

Embarcação contém amianto, substância que traz riscos à saúde

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Recife

O Ministério Público Federal entrou, nesta terça-feira (31), com uma ação na Justiça para impedir que o casco do porta-aviões São Paulo seja afundado em águas brasileiras. No sábado (28), a Folha revelou a intenção da Marinha de afundar o casco.

O MPF pede, na ação, que a Justiça Federal determine à Marinha a imediata suspensão de "qualquer serviço voltado ao afundamento da embarcação, em alto-mar ou próximo ao litoral, sem a apresentação de estudos que comprovem a ausência de risco ambiental".

O casco do São Paulo é composto de nove toneladas de amianto, substância com potencial tóxico e cancerígeno.

O porta-aviões São Paulo esteve a serviço da Marinha do Brasil entre 2000 e 2014 e o destino de seu casco é alvo de controvérsia no governo Lula - 23.dez.2013-Rob Schleiffert/Wikimedia

De acordo com o MPF, o ajuizamento da ação foi motivado por informações de que o afundamento da embarcação estaria programado para esta quarta-feira (1º). O objetivo do MPF, conforme consta na ação, é evitar que a decisão de afundamento cause "dano irreparável ao meio ambiente marinho, à saúde pública da população e consequências sanitárias irreversíveis".

Na ação, o MPF requer ainda que o Ministério da Defesa promova estudos técnicos para a adequada destinação do casco, sem riscos ao meio ambiente e à saúde pública, ou opte pela venda do ex-navio a alguma empresa com condições para fazer os reparos necessários ao descarte seguro.

No dia 13 de janeiro, quando foi submetido a uma inspeção técnica, o porta-aviões navegava, sob reboque, a 20 milhas náuticas do Porto de Suape, em Pernambuco.

A inspeção constatou um novo rasgo na embarcação, aumento do nível de alagamento e corrosão em comparação à vistoria realizada quatro meses antes.

"Pode ser constatado o aumento crítico da degradação da segurança do casco, quer seja pela perda das condições de flutuabilidade, quer seja pela perda irreversível da estabilidade mínima em avaria para navegação em mar aberto, além do aumento da extensão da avaria do casco", alerta.

Na década de 1990, segundo a Marinha, 55 toneladas de amianto foram retiradas da embarcação. Mas o produto ainda está presente nas paredes do porta-aviões —a substância era usada como isolante térmico e acústico, para evitar que a tripulação convivesse com o barulho das decolagens das aeronaves.

Segundo relatório ao qual a Folha teve acesso, em setembro de 2022 já se observava uma degradação das condições de segurança da navegação.

Em janeiro, no entanto, foi observada "uma alteração do trim [alinhamento da embarcação em relação ao espelho d'água] e uma banda para bombordo, o que poderia aumentar os riscos de uma diminuição da reserva de flutuabilidade do navio". A perícia aponta para o ritmo de entrada de água no porta-aviões e alerta para o risco de colapso estrutural em, no máximo, quatro semanas.

Segundo a perícia, de agosto de 2022 até agora, houve entrada de 2.787 litros de água. O limite para navegação em segurança é de 3.530,7 litros.

"É possível afirmar que se pode garantir a segurança da navegação até que se chegue ao limite ora estabelecido de embarque de mais 743 m³ de água, prevista para acontecer, nas melhores hipóteses, em, no máximo, quatro semanas", adverte.

A perícia também destaca que, em outubro, dez compartimentos estavam comprometidos por algum tipo de alagamento. Hoje, são 23. O documento, por fim, conclui "a impossibilidade de salvamento do casco nesta situação".

O porta-aviões São Paulo era o maior navio de guerra brasileiro, com 31 mil toneladas e capacidade para até 40 aeronaves. Seu armamento era composto por três lançadores duplos de mísseis e metralhadoras de grosso calibre.

Inutilizado há décadas, o navio passou por um desmanche na França. O casco voltou ao Brasil e foi colocado à venda pela Marinha Brasileira para um processo de reciclagem verde.

O porta-aviões foi vendido pela Marinha ao estaleiro turco Sök Denizcilik and Ticaret Limited, especializado em desmanche de navios. O veículo deixou o Brasil no dia 4 de agosto, em viagem que gerou protestos pelo mundo e foi monitorada em tempo real pelo Greenpeace.

A Marinha diz que, após a decisão de desmobilizar o porta-aviões, optou pela venda do casco para "desmanche verde", um processo de reciclagem segura para o qual o estaleiro turco Sök é credenciado e certificado.

Mas, diante de denúncias sobre a exportação ilegal de amianto, o governo turco revogou autorização para entrada da embarcação no dia 26 de agosto, quando o navio se aproximava do Estreito de Gilbraltar, em viagem feita com o auxílio de um rebocador.

A decisão atendeu a denúncias de organizações como o Greenpeace e a ONG Shipbreaking Platform, que protestavam contra o recebimento do navio.

Análises feitas pela ONG Shipbreaking em um porta-aviões gêmeo ao São Paulo identificou 760 toneladas de amianto na embarcação. Diante disso, a organização passou a questionar se, de fato, o casco enviado pelo Brasil teria as 10 toneladas da substância tóxica como previsto no inventário.

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) suspendeu a licença de exportação e determinou o retorno do navio ao Brasil.

Zilan Costa e Silva, advogado da MSK (empresa aliada à turca na compra da embarcação), disse à Folha no último dia 21 que as compradoras decidiram renunciar do bem em favor da União, com a justificativa de que não têm mais condições financeiras de apoiar o navio.

"Vivemos uma situação imprevisível", disse. "A empresa tomou todos os cuidados, contratou o maior rebocador do mundo, fez previsão de viagem de 30 dias... E o rebocador ficou conectado ao navio todo esse tempo."

Ele reclama que a empresa não obteve autorização nem para levar o navio para outro país nem para atracar no Brasil. "Isso é uma pena de morte", compara, dizendo que as perdas financeiras nesse processo ainda estão sendo calculadas.

Desde setembro, com a volta do porta-aviões, diversos portos da costa brasileira conseguiram decisões judiciais para impedir que o casco pudesse se fundear em suas imediações.

A justificativa apresentada era que a embarcação tem dimensões enormes e poderia inviabilizar a rotina portuária. Por mais de quatro meses, o casco foi rebocado por navios turcos à procura de um destino, passando da costa carioca à pernambucana, sem sucesso.

O governo brasileiro planeja entrar na Justiça contra o estaleiro, com o argumento inclusive de danos à imagem do Brasil no exterior.

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