Sucateada, indústria petrolífera da Venezuela polui o meio ambiente

Moradores sofrem com asma, águas poluídas e explosões de poços

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Isayen Herrera Sheyla Urdaneta
El Tejero (Venezuela) | The New York Times

Todas as manhãs, José Aguilera inspeciona as folhas de suas bananeiras e pés de café em sua fazenda no leste da Venezuela e calcula quanto poderá colher —quase nada.

Explosões de gás de poços de petróleo próximos expelem um resíduo oleoso e inflamável sobre as plantas. As folhas queimam, secam e murcham.

"Não há veneno capaz de vencer o petróleo", disse ele. "Quando ele cai, tudo seca."

A indústria petrolífera da Venezuela, que ajudou a transformar seu destino, foi dizimada pela má administração e muitos anos de sanções impostas pelos Estados Unidos ao governo autoritário do país, deixando para trás uma economia e um meio ambiente devastados.

Casa é vista durante à noite, com pessoas sentadas na parte de fora, iluminadas por uma explosão de fogo ao fundo
Casa iluminada por explosões de poços de petróleo em Punta de Mata, na Venezuela - Adriana Loureiro Fernandez/The New York Times

A petrolífera estatal tem lutado para manter uma produção mínima para exportação, assim como para consumo interno. Mas, para tanto, sacrificou a manutenção básica e usou equipamentos cada vez mais precários, o que gerou um crescente impacto ambiental, segundo ativistas do meio ambiente.

Aguilera mora em El Tejero, cidade a cerca de 480 km a leste de Caracas, a capital, numa região rica em petróleo conhecida por cidades que nunca veem a escuridão da noite. Explosões de gás dos poços de petróleo acontecem a qualquer hora com um ruído estrondoso, suas vibrações rachando as paredes das casas frágeis.

Muitos moradores sofrem de doenças respiratórias, como asma, que, segundo os cientistas, podem ser agravadas pelas emissões das explosões de gás. A chuva traz uma película oleosa que corrói o motor dos carros, escurece as roupas brancas e mancha os cadernos que as crianças levam para a escola.

Ainda assim, paradoxalmente, a escassez generalizada de combustível no país que tem as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo significa que praticamente ninguém nesta região tem gás de cozinha em casa.

Logo depois que o presidente Hugo Chávez, um tenente-coronel do Exército, subiu ao poder, na década de 1990, com promessas de usar a riqueza do petróleo do país para ajudar os pobres, ele demitiu milhares de trabalhadores do setor, incluindo engenheiros e geólogos, e os substituiu por apoiadores políticos. Também assumiu o controle de ativos de propriedade estrangeira e negligenciou os padrões ambientais e de segurança.

Então, em 2019, os Estados Unidos acusaram o sucessor de Chávez, o presidente Nicolás Maduro, de fraude eleitoral e impuseram sanções econômicas, incluindo a proibição das importações de petróleo venezuelano, para tentar forçá-lo a deixar o poder.

A economia do país entrou em colapso, ajudando a alimentar um êxodo em massa de venezuelanos que não podiam sustentar suas famílias, enquanto Maduro mantinha seu poder repressivo.

Depois de quase parar, o setor petrolífero teve uma recuperação modesta, em parte porque o governo Biden permitiu no ano passado que a Chevron, última empresa americana produtora de petróleo na Venezuela, reiniciasse as operações de forma limitada.

As dificuldades da indústria petrolífera nacional foram agravadas por uma investigação de corrupção sobre o dinheiro do petróleo desaparecido que até agora levou a dezenas de prisões e à renúncia do ministro do petróleo do país.

No leste da Venezuela, refinarias enferrujadas queimam gás metano, que faz parte das operações da indústria de combustíveis fósseis e é um importante fator do aquecimento global.

Embora a Venezuela produza muito menos petróleo do que antes, ocupa o terceiro lugar no mundo em emissões de metano por barril de petróleo produzido, segundo a Agência Internacional de Energia.

Cabimas, cidade a cerca de 640 km a noroeste de Caracas, às margens do lago Maracaibo, é outro centro regional de produção de petróleo. Lá a estatal Petroleos de Venezuela SA (PDVSA, ou "Pedevesa") construiu hospitais e escolas, montou acampamentos de verão e distribuiu brinquedos aos filhos dos moradores no Natal.

Agora o petróleo vaza de dutos subaquáticos deteriorados no lago, cobrindo as margens e transformando a água num verde-neon que pode ser visto do espaço. Canos quebrados flutuam na superfície e brocas de petróleo enferrujam e afundam na água. Pássaros cobertos de óleo lutam para voar.

O colapso da indústria petrolífera deixou Cabimas, que já foi uma das comunidades mais ricas da Venezuela, em extrema pobreza.

Todos os dias, às 5h, os três irmãos Méndez —Miguel, 16, Diego, 14, e Manuel, 13— abrem suas redes de pesca para limpá-las e remam pelas águas poluídas do lago Maracaibo, na esperança de pescar camarões e peixes suficientes para alimentar a si mesmos, seus pais e sua irmã mais nova.

Eles usam gasolina para lavar o óleo de sua pele.

As crianças brincam e se banham na água, que cheira a vida marinha podre.

O pai dos meninos, Nelson Méndez, 58, já foi pescador comercial, na época em que o lago era mais limpo. Ele tem medo de adoecer por comer o que seus filhos pescam, mas se preocupa mais com a fome.

Ele disse que foi contratado pela companhia petrolífera estatal há cerca de dez anos para ajudar a limpar um vazamento de combustível no lago, mas o trabalho prejudicou sua visão.

"Tudo pelo que trabalhei na vida, perdi por causa do petróleo", disse Méndez.

A falta de manutenção do maquinário de produção de combustível no lago Maracaibo causou o aumento dos vazamentos de óleo, que contaminou Cabimas e outras comunidades ao longo de sua orla, segundo organizações locais dedicadas ao meio ambiente.

As chamas de gás que queimam em partes da Venezuela também apontam para o enfraquecimento da indústria de combustíveis fósseis do país: tanto gás é lançado na atmosfera porque não há equipamentos suficientes para convertê-lo em combustível, dizem especialistas.

A Venezuela está entre os piores países do mundo em termos de volume de queima de gás produzido por suas operações de combustível decrépitas, segundo o Banco Mundial.

Um ministro do governo, Josué Alejandro Lorca, disse em 2021 que os derramamentos de óleo "não são um grande problema, porque, historicamente, todas as empresas de petróleo os tiveram". Ele acrescentou que o governo não tem recursos para resolver o problema.

A petrolífera estatal não respondeu a pedidos de comentários.

Em Cabimas, o pescador David Colina, 46, veste um macacão laranja manchado de óleo com o emblema da petrolífera estatal.

Trinta anos atrás, ele disse que conseguia pescar mais de cem quilos de peixe. Agora ele tem sorte se puxar dez quilos na rede, que trocará por farinha ou arroz com seus vizinhos.

Quando a companhia estatal de petróleo funcionava melhor, disse Colina, ele seria indenizado se um derramamento de óleo afetasse seu negócio de pesca. Mas agora "não há mais governo aqui", acrescentou.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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