Mudanças climáticas deixam o Havaí suscetível a grandes incêndios

Local antes conhecido por vegetação exuberante agora enfrenta seca

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Christopher Flavelle Manuela Andreoni
The New York Times

Os incêndios dos últimos dias no Havaí seriam chocantes em qualquer lugar —mataram pelo menos 55 pessoas, num dos incêndios florestais mais letais na história moderna dos Estados Unidos. Mas a devastação é especialmente impressionante por causa do local onde ocorreu: um estado americano conhecido por sua vegetação exuberante, muito diferente da paisagem seca normalmente associada a ameaças de incêndio.

A explicação é tão direta quanto preocupante: à medida que o planeta esquenta, nenhum lugar está a salvo de desastres.

Vista aérea da cidade destruída, com prédios e casas completamente queimados, com cinzas no lugar das quadras; ao fundo é possível ver o mar azul e um vulcão
Prédios e casas da cidade de Lahaina, no Havaí, foram destruídos pelo fogo - Justin Sullivan/Getty Images via AFP

A história do incêndio desta semana provavelmente teve início décadas atrás, quando o Havaí começou a sofrer uma redução progressiva na precipitação média anual de chuvas. Desde 1990, a precipitação em locais de monitoramento selecionados foi 31% menor na estação chuvosa e 6% menor na estação seca, segundo um trabalho publicado em 2015 por pesquisadores da Universidade do Havaí e da Universidade do Colorado.

Existem várias razões para essa mudança, segundo Abby Frazier, climatologista da Universidade Clark que pesquisou o Havaí.

Um fator é La Niña, um padrão climático que geralmente provoca chuvas significativas, mas começou a produzi-las em menor volume a partir dos anos 1980. Esses La Niñas mais fracos "não estão nos tirando da seca", disse Frazier numa entrevista no início deste ano.

Outra mudança: à medida que as temperaturas aumentam, as nuvens sobre o Havaí ficam mais finas, disse ela. E a menor cobertura de nuvens significa menor precipitação. Além disso, as grandes tempestades têm se deslocado para o norte ao longo do tempo —gerando menos chuva do que normalmente trazem para as ilhas.

Essas três mudanças provavelmente estão relacionadas ao aumento das temperaturas globais, disse Frazier. "É provável que haja um sinal da mudança climática em tudo o que estamos vendo", disse ela.

Quase 16% do condado de Maui, onde os incêndios florestais estão ardendo, sofrem seca severa, de acordo com dados divulgados pelo Monitor de Secas dos EUA na quinta-feira (10); outros 20% da área estão com seca moderada.

Como a precipitação média anual vem diminuindo, as temperaturas médias no Havaí aumentaram, como em outras partes do mundo, secando ainda mais a vegetação.

Num artigo publicado em 2019, pesquisadores da Universidade do Havaí escreveram que 2016 foi mais quente do que a média de cem anos em 0,92°C, e as temperaturas subiram 0,19°C por década no Observatório Mauna Loa.

A paisagem do Havaí está mudando de outras maneiras, além de ficar mais seca. À medida que os incêndios florestais se tornam mais comuns, parte da vegetação nativa, mal adaptada ao fogo, foi destruída. Em outros lugares, incluindo a área ao redor de Lahaina, antigas fazendas de cana-de-açúcar pararam de operar por volta dos anos 1990 e, com isso, a terra deixou de ser irrigada.

Cidade de Lahaina, no Havaí, antes e depois de incêndios florestais

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Ao menos 36 pessoas morreram e milhares foram retirados de localidade turística e histórica na ilha de Maui - Maxar Technologies via Reuters e AFP

No lugar dessas lavouras e da vegetação nativa, espalharam-se gramíneas secas e invasoras. Essas gramíneas são mais capazes de brotar novamente após um incêndio, mas também são rápidas para inflamar. Isso contribuiu para que os incêndios se espalhassem mais rapidamente.

"A paisagem está coberta de material inflamável", disse Ryan Longman, pesquisador do East-West Center, uma instituição educacional. "Todas as condições simplesmente se juntaram."

O ressecamento da paisagem do Havaí faz parte de uma tendência que afeta as florestas tropicais em todo o mundo.

As florestas tropicais são altamente sensíveis a mudanças na precipitação. Temperaturas mais altas, secas e mudanças nos padrões de chuva estressam as árvores. Seus troncos secam e suas folhas caem. A perda das copas das árvores permite que os raios solares atinjam o solo, fazendo com que ele seque rapidamente.

Ao longo de décadas, a seca, o calor, o fogo e o desmatamento podem forçar uma floresta tropical a se transformar em pastagens secas ou savanas.

Partes da floresta amazônica, a maior do mundo, estão se aproximando rapidamente dessa transição, um ponto sem volta quando o ecossistema úmido mudaria para sempre.

Florestas degradadas e mudanças nos padrões climáticos se combinam para criar condições perfeitas para que pequenos incêndios, muitas vezes iniciados pela atividade humana, se transformem em chamas enormes e incontroláveis. Nas florestas tropicais, a perda de árvores por causa do fogo cresceu em média 5% a cada ano nos últimos 20 anos, conforme pesquisas recentes.

Cidade turística de Lahaina, na ilha de Maui, devastada por incêndio florestal, no Havaí
Cidade turística de Lahaina, na ilha de Maui, devastada por incêndio florestal, no Havaí - Patrick T. Fallon - 10.ago.23/AFP

Essas ameaças subjacentes foram amplificadas no Havaí esta semana por uma causa diferente: o furacão Dora, que passou ao sul do Havaí como uma tempestade de categoria 4 na terça (8). Embora a tempestade estivesse a centenas de quilômetros da costa de Maui, ela contribuiu para ventos de mais de 96 km/h, ajudando o fogo a se espalhar numa velocidade terrível.

É difícil atribuir diretamente um furacão à mudança climática. Mas, ao aumentar as temperaturas do ar e do oceano, as condições de aquecimento aumentam a probabilidade de que grandes tempestades ganhem força.

"Os fortes ventos secos provocaram esse incêndio", disse Josh Stanbro, que atuou como diretor de resiliência em Honolulu. "Isso faz parte de uma tendência de longo prazo que está diretamente relacionada às mudanças climáticas e a seus impactos nas ilhas."

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