Queda na fiscalização na Amazônia fez dobrar emissões de carbono sob Bolsonaro

Pesquisa publicada na revista Nature mostra aumento de 122% nos gases-estufa da floresta em 2020

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São Paulo

Quedas expressivas na fiscalização ambiental nos dois primeiros anos do governo Jair Bolsonaro (PL), ou seja, 2019 e 2020, tiveram responsabilidade central em uma explosão nas emissões de gases-estufa na Amazônia.

Mesmo sem condições de seca severa, o que potencializa queimadas, as emissões nesses dois anos foram tão elevadas quanto as vistas durante o El Niño extremo registrado em 2015 e 2016 —que levou a alguns dos mais elevados graus de crescimento de CO2 atmosférico já vistos.

Essas conclusões fazem parte de uma pesquisa publicada na revista Nature, um dos principais periódicos científicos do mundo, nesta quarta-feira (23).

O ex-presidente acena com a mão
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - Ueslei Marcelino - 18.ago.2023/Reuters

O governo Bolsonaro ficou marcado por discursos do próprio presidente e de membros do seu governo que relativizaram a importância da fiscalização contra crimes ambientais e a gravidade da destruição da floresta.

Os cientistas autores do estudo, entre eles pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), compararam as emissões registradas em 2019 e 2020 com a média do período 2010-2018.

Segundo os pesquisadores, apesar de desde 2018 o desmatamento ter aumentado em 80%, "como consequência da redução de políticas públicas, observamos uma redução de 50% nas multas".

"Nós estimamos que as emissões tenham dobrado nos anos de 2019 e 2020, em comparação ao período 2010-2018, como consequência dessas mudanças, e, em 2020, também por estresse climático", afirma o artigo, que tem como principal autora a pesquisadora Luciana Gatti, do Inpe.

Olhando os anos individualmente e sempre em comparação ao período-base (2010-2018), em 2019 houve um aumento de 89% nas emissões de carbono. Em 2020, o crescimento foi de 122%.

A média de emissões no período 2010-2018 foi de 0,88 bilhões de toneladas de CO2; em 2019, de 1,61 bilhões de toneladas de CO2; e, em 2020, de 1,91 bilhões de toneladas de CO2.

O cenário de crescimento de emissões em 2019 é explicado, segundo os autores, por um aumento de 82% no desmatamento e de 14% na área queimada na Amazônia. Como precipitação e temperatura se mantiveram dentro da variabilidade esperada, as condições climáticas não explicam o salto acentuado.

Já em 2020, a explosão de emissões esteve relacionada a um aumento de 77% no desmatamento e de 42% na área queimada, mas também a uma redução de 12% na precipitação anual —que ocorreu predominantemente na estação chuvosa, de janeiro a março, quando também se viu um aumento de temperatura de 0,6°C.

Menor precipitação e maiores temperaturas levam a condições de estresse para a floresta e para as árvores, afetando o balanço entre fotossíntese (quando ocorre a captura de CO2) e respiração (quando ocorre a liberação de CO2) e, consequentemente, o cenário de emissões de gás carbônico.

"Independentemente de ser resultado de uma respiração aprimorada, de decomposição ou fogo associado ao desmatamento e degradação, nossos resultados de fluxo de carbono mostram que a Amazônia está emitindo mais carbono, amplificando as consequências para a mudança climática global", destacam os cientistas.

A derrubada de floresta diminui a evapotranspiração e as chuvas, aumenta as temperaturas e também a vulnerabilidade ao fogo. "Aquecimentos global e regional são sinérgicos e se reforçam mutuamente", ressaltam os autores.

O estudo lembra que a Amazônia era um importante agente de sequestro de carbono no passado recente, mas que tal potencial tem sido diminuído especialmente por causa da mortalidade de árvores, que é resultado de desmatamento e mudança climática.

Em cerca de meio século, os humanos devastaram aproximadamente 18% da Amazônia, sendo que 14% foram convertidos para agropecuária, especialmente para pasto.

Gatti, em entrevista nesta quarta, ressaltou o papel central no aumento de emissões de Mato Grosso e da metade de baixo do Pará, áreas já conhecidas pelos elevados índices de desmatamento.

"Eu acho que a gente devia declarar estado de emergência [nesse local]", disse a pesquisadora do Inpe. "Desmatamento zero já e um monte de planos de restauração florestal. Essa área da Amazônia está perto do ponto de não retorno [quando o desmate extrapola limite que permite a recuperação da floresta]."

Ainda se referindo a essa região, Gatti citou que, nos últimos 40 anos, considerando os meses de agosto, setembro e outubro, a temperatura média aumentou em torno de 2,5°C.

Como o estudo foi feito

Para calcular as emissões de gases-estufa, os pesquisadores sobrevoaram quatro áreas da floresta amazônica, em diferentes altitudes, para coletar amostras.

De 2010 a 2020, foram feitos 742 perfis verticais do ar sobre a floresta. As amostras foram coletadas cerca de duas vezes por mês em cada área, entre 12h e 13h (no horário local). As amostras de gases foram então analisadas no Inpe.

Além de olhar para os gases-estufa, os cientistas fizeram o levantamento das multas aplicadas pelos órgãos de fiscalização.

"O aumento das taxas de desmatamento juntamente com as emissões mais altas coincidem com o declínio das agências federais responsáveis pela fiscalização na região, especialmente depois de 2018", afirmam os autores, que destacam ainda que o número de autuações e julgamentos que resultaram em multas pagas atingiram o menor patamar da última década.

Em relação à média do desmate registrado no período 2010-2018, os anos de 2019 e 2020 tiveram aumentos de 82% e 77%, respectivamente, na destruição da floresta.

A média de autuações na Amazônia de 2010 a 2018 era de 4.734 para crimes contra a flora, os quais, em sua maioria, dizem respeito a desmatamento.

Já em 2019, as autuações caíram para 3.331 e, em 2020, para 2.193, o que representa quase metade do número do período-base. A queda no número de multas pagas até o ano subsequente teve uma diminuição mais drástica ainda, com um mergulho de 74% em 2019 e 89% em 2020.

Os autores da pesquisa citam que o senso de impunidade influenciou o desmatamento após 2012 e o acelerou após 2018.

Entre as ações que ajudaram na contenção do desmatamento anteriormente, os pesquisadores citam a combinação de políticas pública e privada, como a expansão de áreas protegidas —medida constantemente atacada por Bolsonaro—, a implementação do Deter —monitoramento quase em tempo real de derrubada de floresta—, e o PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) —programa que foi interrompido por Bolsonaro e recentemente retomado sob o governo Lula (PT).

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