Redução do gelo na Antártida bate recorde e alarma comunidade científica

Pesquisadores suspeitam que finalmente estamos vendo os efeitos da queima de combustíveis fósseis

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Delger Erdenesanaa
The New York Times

É inverno no Hemisfério Sul, época em que normalmente se forma o gelo ao redor da Antártida. Mas neste ano esse crescimento foi atrofiado, atingindo uma baixa recorde por uma ampla margem.

A queda acentuada do gelo marinho está alarmando os cientistas e levantando preocupações sobre seu papel vital na regulação das temperaturas do oceano e do ar, na circulação da água oceânica e na manutenção de um ecossistema crucial para tudo, como o plâncton microscópico e os icônicos pinguins do continente.

"Este ano está realmente diferente", disse Ted Scambos, pesquisador sênior da Universidade do Colorado em Boulder e especialista em Antártida no Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo dos Estados Unidos (NSIDC na sigla em inglês). "É uma mudança muito repentina."

Derretimento de icebergs perto da Ilha Horseshoe ao longo da Península Antártica durante o verão antártico em fevereiro
Derretimento de icebergs perto da Ilha Horseshoe ao longo da Península Antártica durante o verão antártico em fevereiro - Sebnem Coskun/Agência Anadolu, via Getty Images

Um declínio contínuo do gelo no mar antártico teria consequências globais ao expor uma parte maior da camada de gelo do continente ao oceano aberto, permitindo que ela derreta e se quebre com mais facilidade, contribuindo para o aumento do nível do mar, que afeta as populações costeiras do mundo todo.

Menos gelo também significa menor proteção contra os raios solares, que podem elevar a temperatura da água, dificultando o congelamento.

No final de junho, o gelo cobria 11,7 milhões de km2 do oceano ao redor do continente, segundo dados do NSIDC. São quase 2,6 milhões de km² a menos que a média esperada em aproximadamente 40 anos de observações por satélite.

A clara diferença em relação aos anos anteriores é surpreendente, já que o gelo marinho ao redor da Antártida tem demorado mais para responder às mudanças climáticas do que o gelo no Oceano Ártico.

O gelo do Oceano Antártico também bateu um recorde de redução em 2022, mas a cobertura de gelo deste ano é quase 1,3 milhão de km² menor.

"A baixa extensão do gelo marinho na Antártida em 2023 não tem precedentes no registro por satélite", escreveu em um email Liping Zhang, cientista do projeto no Laboratório de Dinâmica de Fluidos Geofísicos da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA.

A diminuição recorde pode sinalizar uma mudança no sistema do gelo marinho para um estado novo e instável, onde os extremos se tornam mais comuns, mas Zhang alertou que os cientistas ainda estão investigando essa questão.

O gelo marinho ao redor da Antártida normalmente se forma de fevereiro a agosto e, depois, derrete até o inverno seguinte no Hemisfério Sul. Vários padrões oceânicos e atmosféricos influenciam o quanto o gelo cresce ou encolhe, e as interações sobrepostas entre essas forças são complexas.

Além desses padrões naturais de curto prazo, há a influência em longo prazo da queima de combustíveis fósseis pelos humanos, adicionando gases do efeito estufa à atmosfera. Alguns pesquisadores suspeitam que finalmente estamos vendo os efeitos dessa queima no gelo marinho da Antártida, antes resistente.

A mudança deste ano, no contexto de vários anos consecutivos com menos gelo marinho, é "muito, muito preocupante", disse Marilyn Raphael, professora de geografia e diretora do Instituto de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade da Califórnia em Los Angeles. "Não está dentro da variabilidade natural."

Raphael tem trabalhado para estender o registro histórico do gelo marinho da Antártida antes da década de 1970, quando começaram as observações por satélite. Ela e seus colegas publicaram recentemente um novo conjunto de dados que remonta a 1905, usando observações meteorológicas para reconstruir a extensão do gelo marinho durante os anos anteriores.

Embora os dados ainda sejam limitados, o registro mais longo capta mais ciclos de variabilidade natural. Raphael e outros especialistas acreditam que o oceano, que se aquece mais lentamente que a atmosfera e absorveu grande parte do calor da queima de combustíveis fósseis, pode ter chegado a um ponto em que esse calor está afetando o gelo marinho da Antártida.

As temperaturas na superfície do mar quebraram recordes neste ano, e atualmente existem três manchas de água excepcionalmente quentes ao redor da Antártida. Embora outros fatores também estejam em jogo, esses pontos quentes se alinham com as áreas costeiras onde o gelo marinho tem se formado de forma incomumente lenta, disse Scambos.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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