Sob Lula, Cúpula da Amazônia evitará compromisso com fim de combustíveis fósseis

Proposta foi defendida pela Colômbia e por ONGs, que criticam falta de participação social nas negociações

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São Paulo

Ao se reunirem em Belém nas próximas terça e quarta-feira (8 e 9) para a Cúpula da Amazônia, os chefes de Estado dos países da região amazônica devem assinar uma declaração de intenções de cooperação regional, principalmente nas áreas de segurança e mudanças climáticas. Apesar de serem a principal causa da crise do clima, os combustíveis fósseis devem ficar de fora do compromisso final da cúpula.

Segundo pessoas ligadas às negociações do último rascunho da declaração conjunta, que passou por ajustes em reunião entre os países no fim de julho, o texto não deve fazer menção ao termo combustíveis fósseis.

A Colômbia vem defendendo que os países se comprometam com a eliminação das fontes de energia fósseis, como petróleo, carvão e gás. O Brasil e outros países da região, no entanto, preferem manter aberta a possibilidade de exploração, inclusive na floresta amazônica —a perfuração da Foz do Amazonas aguarda a avaliação ambiental de áreas sedimentares.

Usina Termelétrica Presidente Médici Candiota 3º com dez chaminés soltando fumaça, em Candiota, no interior de Porto Alegre (RS)
Usina Termelétrica Presidente Médici Candiota 3º, em Candiota, no interior de Porto Alegre (RS); combustíveis fósseis não devem entrar na discussão da Cúpula da Amazônia - Danilo Verpa - 7.dez.21/Folhapress

Negociadores buscaram compensar a falta do termo combustíveis fósseis com menções a projetos de infraestrutura com "respeito a critérios socioambientais" e "consulta prévia a populações tradicionais, de acordo com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho)".

Com um rascunho inicial proposto pelo Brasil, que convocou a cúpula, o texto em negociação está com 108 parágrafos e 21 páginas. A opção por um texto longo busca mudar a marca de declarações curtas da OTCA (Organização do Tratado da Cooperação Amazônica). Alguns parágrafos ultrapassam o escopo da organização, como tráfego aéreo e cooperação internacional de polícias.

Enquanto discordam sobre o fim dos combustíveis fósseis, Brasil e Colômbia têm consenso sobre o fim do desmatamento. Os dois países já têm metas nacionais para zerar o desmatamento e gostariam de ver a meta ampliada para toda a Amazônia, mas enfrentam resistências de outros países.

Na visão brasileira, o desafio, para além de uma meta comum, é desenhar uma cooperação que ultrapasse a soma dos esforços nacionais no combate ao desmatamento, de modo que o resultado positivo em uma parte da Amazônia não incentive a migração de atividades ilegais para outros países da região.

Os compromissos com o fim do desmatamento e dos combustíveis fósseis devem marcar também a tônica das propostas do terceiro setor. Organizações ambientalistas, sociais e indígenas se reúnem nos dias anteriores à cúpula, também em Belém, para os Diálogos Amazônicos.

Organizados pela Secretaria-Geral da Presidência da República, os Diálogos formam uma estreita ponte com a Cúpula da Amazônia: os chefes de Estado devem receber cinco relatórios-síntese dos diálogos, que podem, ao menos em tese, influenciar o resultado do texto negociado pelos países.

O processo vem sendo amplamente criticado pelas organizações do terceiro setor, que esperavam do governo federal um processo mais participativo.

"Com a retomada de um relacionamento mais próximo com o governo, há uma grande expectativa de que a participação seja de fato uma contribuição, e não algo alijado do processo oficial", afirma Cintya Feitosa, especialista em relações internacionais do Instituto Clima e Sociedade (ICS).

"A cúpula será um teste do compromisso deste governo em garantir que a sociedade tenha um lugar na mesa de negociação, ou se seremos relegados a espectadores", afirma Diego Casaes, diretor de campanhas da Avaaz.

Para Raul do Valle, especialista em políticas públicas do WWF, o processo de construção do acordo tem sido opaco. "Em nenhum momento tivemos acesso à proposta inicial do governo brasileiro, não sabemos o que está sendo negociado", afirma.

"Esperamos uma declaração que mire evitar o ponto de não retorno da floresta amazônica, acabar com o garimpo ilegal, que é um crime organizado e transnacional, e que feche os buracos de áreas protegidas, consolidando corredores [que integram essas áreas]", completa.

Questionado, o Itamaraty respondeu por meio de nota que a primeira versão da Declaração de Belém foi elaborada com base em aportes da sociedade civil feitos no seminário Desenvolvimento Sustentável na Amazônia, realizado em maio.

"Os governos dos oito países [membros da OTCA] receberam igualmente contribuições da sociedade civil à declaração no Encontro Técnico-Científico da Amazônia, promovido pelo governo da Colômbia [no início de julho]", acrescenta a nota.

Presenças

O presidente Lula deve receber em Belém os presidentes da Colômbia, Gustavo Petro; da Venezuela, Nicolás Maduro; da Bolívia, Luis Arce; a presidente do Peru, Dina Boluarte e o primeiro-ministro da Guiana, Mark Phillips. Já o Equador e o Suriname devem enviar representantes ministeriais.

Lula também estendeu convites a grandes doadores do Fundo Amazônia e da OTCA, como a Noruega e a Alemanha, que devem ter representantes no evento, e também a grandes detentores de florestas tropicais: a Indonésia, a República do Congo e a República Democrática do Congo também enviarão ministros à cúpula.

A proposta brasileira é articular uma posição dos países florestais e em desenvolvimento para levar às negociações climáticas da ONU, que atualmente contam com posicionamentos fragmentados das nações na agenda de florestas.

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