Derretimento do gelo da Antártida Ocidental é inevitável, diz estudo

Mesmo que o aquecimento global seja limitado a 1,5°C, perda não poderá ser contida, aponta novo artigo

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Raymond Zhong
The New York Times

No fundo do mundo, as bordas flutuantes de uma das enormes camadas de gelo que cobrem a Antártida estão enfrentando uma ameaça invisível, que poderia contribuir para o aumento do nível do mar em todo o mundo. Elas estão derretendo por baixo.

À medida que o planeta se aquece, volumes maiores de água quente estão banhando a parte inferior das plataformas de gelo da Antártida Ocidental, as grandes línguas de gelo nas extremidades das geleiras. A imensa massa dessas plataformas impede que o gelo terrestre flua mais rapidamente para o mar aberto.

Portanto, à medida que as plataformas derretem e afinam, mais gelo terrestre se move em direção ao oceano, contribuindo eventualmente para a elevação do nível do mar. Reduzir as emissões de combustíveis fósseis pode ajudar a retardar esse derretimento, mas os cientistas não tinham certeza de quanto.

Vista de cima de gelo com parte quebrada ao lado da água do mar
Cavidade gigantesca na geleira Thwaites, na Antártida Ocidental - Jeremy Harbeck/Nasa/OIB

Agora, pesquisadores no Reino Unido fizeram os cálculos e chegaram a uma conclusão preocupante: uma certa quantidade de derretimento acelerado está essencialmente garantida. Mesmo que as nações limitem o aquecimento global a 1,5°C isso não faria muito para deter o afinamento. Permanecer abaixo de 1,5°C é o objetivo mais ambicioso do Acordo de Paris e, no momento, é improvável que seja alcançado.

"Parece que podemos ter perdido o controle do derretimento da plataforma de gelo da Antártida Ocidental ao longo do século 21", disse uma das pesquisadoras, Kaitlin A. Naughten, cientista oceânica do British Antarctic Survey, em uma entrevista coletiva. "Isso muito provavelmente significa algum nível de aumento do nível do mar que não podemos evitar."

As descobertas de Naughten e seus colegas, que foram publicadas na segunda-feira (23) no periódico Nature Climate Change, se somam a uma série de prognósticos sombrios para o gelo no lado oeste do continente congelado.

Dois dos glaciares de movimento mais rápido da região, Thwaites e Pine Island, têm perdido vastas quantidades de gelo para o oceano há décadas. Os cientistas estão tentando determinar quando as emissões de gases de efeito estufa podem levar a camada de gelo da Antártida Ocidental a um "ponto de virada" a partir do qual seu colapso se torna rápido e difícil de reverter, colocando em perigo as faixas costeiras em todo o mundo nos próximos séculos.

Mesmo assim, a redução das emissões de gases que retêm calor ainda poderia evitar que quantidades ainda maiores de gelo antártico sejam perdidas para os mares. A camada de gelo da Antártida Oriental contém cerca de dez vezes mais gelo do que a Antártida Ocidental, e estudos anteriores sugerem que ela é menos vulnerável ao aquecimento global, mesmo que algumas pesquisas recentes tenham contestado essa visão.

"Ainda podemos salvar o restante da camada de gelo da Antártida", disse Alberto Naveira Garabato, oceanógrafo da Universidade de Southampton que não estava envolvido na nova pesquisa, "se aprendermos com nossa inação passada e começarmos a reduzir as emissões de gases de efeito estufa agora".

Naughten e seus colegas focaram na interação entre as plataformas de gelo e a água no mar de Amundsen, que é a parte do oceano Austral que se choca contra as geleiras Thwaites e Pine Island.
Os pesquisadores primeiro utilizaram simulações computacionais para estimar as mudanças na temperatura do oceano e o consequente derretimento das plataformas de gelo que ocorreram lá no século 20.

Em seguida, compararam isso com possíveis mudanças em diferentes trajetórias de aquecimento global no século 21, desde altamente otimistas até pessimistas de forma irrealista.

Eles descobriram que a água a 200 a 700 metros abaixo da superfície do mar de Amundsen poderia aquecer a uma taxa mais de três vezes maior nas próximas décadas em comparação com o último século, praticamente independentemente do que aconteça com as emissões.

Se o aquecimento global fosse limitado a 1,5°C em comparação com as condições pré-industriais, as temperaturas em Amundsen se estabilizariam um pouco após cerca de 2060. Em contraste, na trajetória de emissões mais catastrófica, o aquecimento dos oceanos aceleraria ainda mais após 2045.

A razão pela qual as diferenças não são maiores é que as temperaturas da água nesta parte do oceano Austral são influenciadas não apenas pelo aquecimento causado pelo ser humano na atmosfera, mas também por ciclos climáticos naturais, como El Niño, disse Naughten. As diferenças nas várias trajetórias de emissões, segundo ela, são pequenas em comparação.

O estudo provavelmente não será a palavra final sobre o futuro das plataformas de gelo da Antártida Ocidental. Os cientistas começaram a coletar dados sobre o derretimento apenas em 1994 e, devido à dificuldade de fazer medições em condições tão extremas, os dados ainda são escassos.

"Estamos dependendo quase que inteiramente de modelos aqui", disse Naughten.

Quando representações matemáticas da realidade são a melhor opção disponível, os cientistas preferem testar suas hipóteses usando várias delas para garantir que suas descobertas não sejam produto das peculiaridades de um determinado modelo. Naughten e seus colegas usaram apenas um único modelo das interações entre o gelo e o oceano.

No entanto, os métodos do estudo deles estão amplamente alinhados com descobertas anteriores, disse Tiago Segabinazzi Dotto, cientista do Centro Nacional de Oceanografia da Grã-Bretanha que não estava envolvido na nova pesquisa.

Isso dá às sociedades costeiras motivos para levar a sério as previsões do estudo e ter um planejamento para níveis do mar ainda mais altos, disse ele.

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