Os apicultores que não querem que você compre mais abelhas

A moda de instalar colmeias em prédios, ao contrário do que se pode pensar, virou um verdadeiro desafio ecológico para as abelhas

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David Segal
The New York Times

Quando o B&B Hotel em Liubliana, na Eslovênia, decidiu se reinventar como um destino ecologicamente correto em 2015, teve que cumprir mais de 150 critérios para obter o cobiçado certificado de sustentabilidade da Travelife. Mas então deu um passo além: contratou um apicultor para instalar quatro colmeias de abelhas no telhado.

"Manter animais selvagens é uma ótima maneira de mostrar que temos uma conexão com a natureza", disse a gerente geral Adrijana Hauptman Vidergar. "E temos recebido ótimos feedbacks dos hóspedes que vão lá e dão uma olhada."

As colmeias são gerenciadas por Gorazd Trusnovec, um homem de 50 anos com uma barba grisalha que é o fundador e único funcionário de uma empresa chamada Najemi Panj, que significa "alugue uma colmeia". Por uma taxa anual, ele instala uma colônia de abelhas no telhado de um escritório ou no quintal e garante que suas abelhas estejam saudáveis e produtivas. Os clientes recebem o mel e o prazer de fazer algo que beneficia as abelhas e nutre o meio ambiente.

Isso, ao menos, foi o argumento inicial de venda de Trusnovec. Nos últimos anos, ele e outros apicultores, assim como uma ampla variedade de lideranças conservacionistas, chegaram a uma conclusão muito diferente: a loucura pelas abelhas agora representa um verdadeiro desafio ecológico. Não apenas na Eslovênia, mas em todo o mundo.

Homem com roupa branca de proteção segura uma colmeia em um terraço ensolarado ao lado de torres da igreja
Colmeia na catedral de Ripon, na Inglaterra - Oli Scarff - 7.jul.2022/AFP

"Se você superlotar qualquer espaço com abelhas, haverá uma competição por recursos naturais e, como as abelhas têm o maior número, elas afastam outros polinizadores, o que na verdade prejudica a biodiversidade", disse ele após uma visita recente às abelhas do B&B. "Eu diria que a melhor coisa que você poderia fazer pelas abelhas agora é não se envolver na criação de abelhas."

Essa é uma mensagem chocante, não apenas porque as abelhas desempenham um papel crucial na cadeia alimentar, polinizando cerca de um terço dos alimentos consumidos pelos americanos, de acordo com a Food and Drug Administration, mas ambém porque existe uma crença generalizada, e agora profundamente enraizada, de que a população global de abelhas está perigosamente baixa há mais de uma década.

A ideia tem impulsionado um boom na criação de abelhas, especialmente entre as corporações ansiosas para demonstrar sua credibilidade ambiental.

Mas a vontade de adquirir uma colmeia vem da simplificação de alguns fatos complicados, diz Scott Hoffman Black, diretor-executivo da Sociedade Xerces para a Conservação de Invertebrados em Portland, no Oregon (EUA).

Uma enfermidade originalmente chamada de doença do desaparecimento tem afligido as abelhas melíferas há décadas. No outono de 2006, um apicultor americano chamado Dave Hackenberg verificou suas 400 colmeias e descobriu que, em muitas delas, a maioria das abelhas operárias havia desaparecido.

Outros apicultores começaram a relatar que estavam perdendo mais de 90% de suas colônias. O fenômeno foi renomeado como distúrbio do colapso das colônias. A causa ainda é incerta, mas especialistas tendem a culpar pesticidas, um parasita invasivo, uma redução no habitat disponível para forrageamento e as mudanças climáticas. Um alarme foi soado e "salve as abelhas" se tornou um grito de guerra.

"Foi a primeira vez que um grande número de pessoas começou a falar sobre polinizadores, o que foi ótimo", disse Black. "A desvantagem foi que não houve sutileza. Tudo o que as pessoas ouviram foi que as abelhas estavam diminuindo, e então eu deveria ter uma colmeia."

As abelhas melíferas, descobriu-se, são animais criados comercialmente —essencialmente como um rebanho bovino— e as grandes operações de apicultura são surpreendentemente hábeis em substituir colônias que morrem. Nos Estados Unidos, cerca de 1 milhão de colmeias são transportadas a cada ano para lugares como a Califórnia, onde as abelhas melíferas polinizam amêndoas e outras culturas, disse Black. É uma indústria importante.

Embora as técnicas de criação de colmeias tenham melhorado, as abelhas melíferas continuam sendo animais vulneráveis. Segundo a Agência de Proteção Ambiental, até alguns anos atrás, quase 30% das abelhas melíferas comerciais não sobreviviam aos meses de inverno. Isso é um número significativo e que causa um impacto financeiro nos apicultores comerciais.

"Mas essa é uma história sobre agricultura, não sobre conservação", disse Black. "Atualmente, existem mais abelhas no planeta do que nunca na história humana."

Dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) destacam o ponto. O número de colmeias ao redor do mundo aumentou quase 26% na última década, passando de 81 milhões para 102 milhões.

A narrativa de salvar as abelhas ainda persiste. Sua longevidade decorre da confusão sobre que tipo de abelhas realmente precisam ser resgatadas.

Existem mais de 20 mil espécies de abelhas selvagens no mundo, e muitas pessoas não percebem que elas existem. Isso ocorre porque elas não produzem mel e vivem praticamente invisíveis, em ninhos no solo e cavidades como troncos de árvores ocos. Mas elas são polinizadoras indispensáveis de plantas, flores e cultivos.

Pesquisadores descobriram que muitas espécies de abelhas selvagens estão, de fato, em declínio. Portanto, tentar salvá-las faz todo o sentido.

Contudo, entusiastas e empresas, sem mencionar personalidades como Beyoncé e a rainha Camilla, são atraídos apenas pelas sete ou mais espécies de abelhas melíferas —o único grupo apoiado por um agronegócio multibilionário e que não precisa de ajuda.

As colmeias estão sendo instaladas agora em um ritmo que os líderes das associações de apicultura afirmam ser recorde. Assim como no B&B Hotel, elas são tipicamente motivadas por um impulso de fazer algo positivo para o meio ambiente que também seja altamente visível —uma forma de "greenwashing" para as colmeias. (Seria "hivewashing"?)

Recentemente, o MoMa (Museu de Arte Moderna de Nova York) postou uma imagem de quatro colmeias em sua conta do Instagram, juntamente com um texto que dizia: "Reconhecemos o papel essencial das abelhas em nosso ecossistema e é por isso que estamos orgulhosos de fornecer um lar para todas essas abelhas aqui no Museu".

Em Londres, a quantidade excessiva de colmeias representa uma ameaça para outras espécies de abelhas, de acordo com um relatório emitido em 2020 pelos Jardins Botânicos Reais Kew. O distrito financeiro da cidade agora está infestado do que Richard Glassborow, presidente da Associação de Apicultores de Londres, chama de "abelhas-troféu".

"Tivemos empresas de fora de Londres vindo com planos de colocar 20 colmeias por ano em telhados", disse ele, "e persuadir negócios de que isso irá satisfazer algum tipo de responsabilidade corporativa."

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