Por que o calor extremo afeta mais as mulheres do que os homens

Edição da newsletter Todas fala sobre como a mudança climática impacta grupos socioeconômicos de forma diferente

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Victoria Damasceno
Victoria Damasceno

É jornalista formada pela USP e foi pesquisadora na Universidade Howard (EUA)

São Paulo

Esta é a quarta edição da newsletter Todas, que apresenta discussões, notícias e reflexões pensadas para mulheres. Quer recebê-la às quartas-feiras no seu email? Inscreva-se abaixo:

Alguns dias após recordes de calor em regiões do Brasil, agências ligadas à ONU, entre elas a OMS e a Unicef, publicaram um documento dizendo que os eventos extremos relacionados ao clima são ameaça à saúde de grávidas, bebês e crianças. Um mundo superaquecido, escreveram, aumenta a propagação de doenças mortais e infecções potencialmente graves para o grupo.

Estudos apontam que mulheres são mais suscetíveis do que homens às temperaturas extremas por questões fisiológicas diversas, além de pior acesso a serviços de saúde e violência de gênero. Ao mesmo tempo, são mais atingidas por serem as principais responsáveis pelo cuidado de crianças e bebês, grupos de risco para o calor excessivo.

Mãe e filho tomam sol em dia de calor no gramado do parque do Ibirapuera na zona sul de São Paulo
Mãe e filho tomam sol em dia de calor no gramado do parque do Ibirapuera na zona sul de São Paulo - Giovanni Bello/Folhapress


Mas não são apenas questões associadas à saúde que tornam ondas de calor fator de risco para nós, mulheres. Outro ponto de impacto se relaciona ao trabalho, seja ele remunerado ou não.

Segundo relatório elaborado pelo Adrienne Arsht-Rockefeller Foundation Resilience Center, nós assumimos responsabilidades de cuidado associadas a condições de saúde causadas pelo calor com mais frequência do que homens. O cuidado é uma prática historicamente ligada ao universo feminino.

Quando o assunto é a economia, o documento aponta que nós, já usualmente atingidas por diferenças salariais em relação a eles, quando confrontadas a diminuição de rendimento relacionada às altas temperaturas, vivemos uma disparidade ainda maior. Somando as perdas decorrentes dos trabalhos pagos e não remunerados, pesquisadores encontraram uma perda de 260% para mulheres, em contraste aos 76% dos homens, exacerbando as desigualdades de gênero já existentes.

Olhando para os Estados Unidos, a Índia e a Nigéria, os autores descobriram que o calor custa aos países US$ 120 bilhões por ano em diminuição na produtividade do trabalho remunerado das mulheres.


Pode ser difícil entender a conexão entre as variantes e as mudanças climáticas, e estudos apontam que a ligação é tanto direta, como indireta. Questões migratórias, exposição à violência, evasão escolar, queda na renda e até casamento infantil são fatores que, quando causados pelo clima, tornam mulheres mais vulneráveis.

Reportagem da Folha do início deste ano mostrou que 80% das pessoas forçadas a sair de suas casas por causa das mudanças climáticas são mulheres, o que gera uma série de consequências ao redor do mundo, segundo dados da ONU.

O texto também mostrou que em alguns países africanos, homens que vivem em regiões rurais afetadas por desastres climáticos migram para os centros urbanos em busca de emprego, deixando mulheres e crianças para trás.

A organização Save the Children estima que mulheres e meninas representam mais de 40% da força de trabalho agrícola e são responsáveis por até 80% da produção de alimentos.

Entre os agravantes que ultrapassam a divisão entre o rural e o urbano, está o contexto social da mulher –se está em condição de pobreza, é negra, tem doenças pré-existentes ou o local que vive, por exemplo. Embora as mudanças climáticas afetem a todos, os grupos em situação de vulnerabilidade são os mais expostos e com maior dificuldade de lidar com os riscos gerados por temperaturas extremas, segundo Lígia Amoroso Galbiati, que atua no Grupo de Trabalho em Gênero e Justiça do Observatório do Clima.

Mulheres de baixa renda, por exemplo, são frequentemente expostas ao calor por trabalharem na informalidade, como ambulantes ou domésticas, por exemplo, me escreveu Galbiati, em entrevista por email. Ao mesmo tempo, negras são vítimas do racismo ambiental, que pode ser resumido em discriminação e preconceito que grupos não brancos vivem em decorrência do clima.

"Em uma sociedade em que a desigualdade de gênero é estrutural, os efeitos negativos das mudanças climáticas sobre as mulheres têm relação com o menor acesso a sistemas de saúde, o fato de possuírem menor renda, estarem mais sujeitas a sofrer de insegurança alimentar. Também é sobre as mulheres que recaem trabalhos de cuidado, muitas como mães solo", disse ela.

Para ler na Folha

A Pesquisa Nacional da Violência Contra Mulher aponta que 60% das mulheres não denunciam às autoridades de segurança a violência que sofreram. Mônica Bergamo nos conta também que os estupros cresceram 14,9% e o feminicídio, 2,6% no Brasil, segundo o Fórum de Segurança. Os números são preocupantes. Clicando aqui você encontra formas de denunciar a violência contra mulher.

A repórter Bárbara Blum conversou com a feminista italiana e autora Silvia Federici, que afirma, em entrevista, que mulheres não são pessoas no capitalismo, apenas corpos.

Por fim, Vitória Macedo assina um texto em que explica por que usualmente mulheres preferem o home office e o trabalho flexível. Passar mais tempo com os filhos e qualidade de vida estão entre os motivos.

Também quero recomendar

Para assistir, o documentário "Incompatível Com a Vida", de Eliza Capai. Assisti para escrever uma crítica e aproveito para indicar o longa, que surpreende ao trazer à superfície as dores da perda gestacional e uma visão visceral do aborto.

Para comer (e beber, por que não?) uma visita à Julice Boulangère, uma padaria que fica em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, e é liderada por uma chef mulher que dá nome ao estabelecimento. O espaço é especializado em fermentação natural, mas a estrela da casa, na minha opinião, é o croissant com creme de amêndoas.

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