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Justiça reconhece que blocos do leilão de petróleo ameaçam reservas ambientais

Juiz do Amazonas aponta que exploração de óleo e gás está sobreposta ou próxima a áreas de proteção e a parques estadual e federal

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São Paulo e Rio de Janeiro

A Justiça Federal do Amazonas avaliou que três blocos concedidos no recente leilão de petróleo estão sobrepostos a seis áreas ambientalmente sensíveis, inclusive locais que abrigam espécies em risco de extinção.

O leilão 4º Ciclo da Oferta Permanente, em regime de concessão, realizado em 13 de dezembro, ofereceu mais de 600 áreas, mas apenas total 192 foram arrematadas (32% da oferta). Os blocos de produção na Amazônia foram um dos focos de protestos de organizações ambientalistas.

Vista do rio Negro com um barco
Vista do rio Negro, no Amazonas; a zona de amortecimento da APA da Margem Direita da Rio Negro é uma das afetadas pelo leilão de petróleo, segundo análise da Justiça Federal no estado - Michael Dantas - 10.jul.2023/AFP

A decisão desta sexta-feira (29) foi proferida em caráter liminar pelo juiz Alan Fernandes Minori, da 7ª vara, e atende parcialmente questionamento apresentado pelo Instituto Arayara contra o leilão.

A Atem Participações, empresa que arrematou os três blocos, também foi incluída na ação movida pela ONG. Originalmente, o processo tinha como alvo principal a ANP (Agência Nacional do Petróleo), responsável pela realização dos leilões que envolvem óleo e gás.

O juiz determinou que o processo judicial seja divulgado na página que trata sobre o certame no site da ANP, para que o mercado tenha ciência de que há uma discussão judicial, de caráter ambiental, envolvendo aquelas áreas.

Ao mesmo tempo, também entendeu não ser necessário avaliar nove outros blocos na região que não foram arrematados.

A liminar não atende o pedido original da ação, que buscava cancelar a concessão de todas áreas, mas a ONG Arayara considerou o posicionamento da Justiça um avanço importante.

"A decisão desse juiz federal corrobora que os blocos oferecidos no leilão confrontam a legislação de proteção de unidades de conservação", afirma o diretor do Instituto Arayara, Juliano Araújo. "E se a legislação vigente for cumprida, esses blocos serão suprimidos."

A decisão detalhou os blocos e quais áreas podem afetar, listando Flota (Floresta Estadual), Flona (Floresta Nacional), APA (Área de Proteção Ambiental) e zona de amortecimento —como é chamado o entorno de uma unidade de conservação, que é submetido a restrições para atenuar eventuais impactos negativos sobre a região protegida.

O bloco AM-T-64, segundo análise da Justiça, tem sobreposição com a zona de amortecimento da Flota de Faro, com a zona de amortecimento da Flona Saracá-Taquara, bem como com a APA Guajuma.

O AM-T-107 tem sobreposição com a APA Ilha do Lago Rei e com a zona de amortecimento da APA da Margem Direita da Rio Negro.

O bloco AM-T-133 tem sobreposição com a zona de amortecimento da Reservas de Desenvolvimento Sustentável de Canumã.

Na avaliação do Arayara, o fato de a Justiça reconhecer que o leilão considerou a exploração de óleo e gás nesses pontos ambientalmente sensíveis tem duas consequências. Vai dificultar o licenciamento ambiental e também coloca em xeque as análises ministeriais que sustentaram o leilão, assinadas conjuntamente pelos ministérios de Meio Ambiente e Minas e Energia.

"A portaria interministerial 1/22, que define zonas de amortecimento e unidades de conservação, não destacava os riscos para esses e outros locais", afirma Araújo.

Neste ano, inúmeras regiões no Amazonas foram fortemente impactadas pela seca. Áreas na proximidades no rio Negro estão entre as mais castigadas.

O instituto também comemorou a vitória pelo aspecto judicial.

A entidade entrou com os questionamentos dos blocos em seus respectivos estados. Ao todo, foram sete ações para suspender 77 blocos. Uma das ações questionou blocos na região de Fernando de Noronha e foi protocolada em Pernambuco. O juiz responsável, no entanto, questionou a competência e remeteu o processo para o Rio Grande do Norte, que indeferiu o pedido.

Os blocos de Fernando de Noronha não receberam propostas, mas a partir desse movimento da Justiça pernambucana, a ANP trabalhou para remeter as demais ações ao Rio Grande do Norte.

Na decisão desta sexta, o juiz também deixa claro que a Justiça Federal do Amazonas tem competência para tratar do caso, o que compromete a estratégia da ANP de concentrar os julgamentos em um único local.

"A gente não concordava com o posicionamento da ANP, e essa manifestação do juiz é uma vitória também pelo aspecto da estratégia judicial", afirma a diretora-executiva do Arayara, Nicole de Oliveira.

O mesmo juiz avaliou outra ação da Arayara contra o leilão, envolvendo blocos nas proximidades de terras indígenas, mas não acatou a demanda. A entidade vai recorrer.

A Arayara prepara mais duas ações contra o leilão. Uma questiona blocos nas proximidades de sítios arqueológicos e outra trata de impactos sobre indígenas em Santa Catarina.

A ANP informou à Folha que foi notificada da decisão da Justiça do Amazonas e tomará as medidas judiciais cabíveis após análise. A Atem Participações declarou que prefere não se posicionar até receber mais informações da agência.

O Ministério de Meio Ambiente afirmou em nota que não teve acesso aos autos do processo e, portanto, não pode comentar os detalhes da decisão. "O ministério buscará mais informações para esclarecer seu posicionamento e as fases de análise de impacto ambiental", disse.

O Ministério de Minas e Energia não retornou à reportagem até a publicação deste texto.

A oferta de novos campos de exploração de petróleo no Brasil no atual estágio das mudanças climáticas foi qualificada como "bomba" de emissão de gases de efeito estufa pelo Arayara.

Pelas estimativas da ONG, se o leilão tivesse licitado todos os blocos, as emissões totais geradas a partir da exploração das novas áreas serão superiores a 1 GtCO2e (bilhão de toneladas de carbono equivalente), volume que equivale a 43,5% das emissões atuais do país.

Apesar de dois terços da oferta ficarem sem propostas, o consórcios liderados por Petrobras e pela americana Chevron arremataram 44 blocos na bacia de Pelotas, no litoral do Rio Grande do Sul, abrindo uma nova fronteira para a exploração de petróleo no Brasil no momento em que autoridades climáticas recomendam que nenhum novo poço seja aberto.

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