Governo leiloa áreas de petróleo com protestos de ambientalistas e ações judiciais

Chamada de 'leilão do fim do mundo', oferta de mais de 600 blocos é alvo de ações judiciais

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Brasília e Rio de Janeiro

O governo leiloa nesta quarta-feira (13) mais de 600 áreas para exploração e produção de petróleo no país, sob protestos de organizações ambientalistas e com ações judiciais em série em andamento.

Para o setor, é uma chance de destravar a atividade na região Sul do país, ainda não produtora.

O Instituto Internacional Arayara afirma ter organizado uma mobilização sem paralelo contra um leilão de blocos de petróleo no Brasil.

Foram elaboradas mais de 400 páginas de estudos sobre impactos socioambientais e protocoladas oito ações judiciais, uma delas inédita para os padrões brasileiros: de responsabilidade climática, que pretende punir pelo aumento das emissões.

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Embarcação usada para a atividade de produção de petróleo em manutenção no Estaleiro Mauá, em Niterói (RJ). - Folhapress

A entidade também estima a presença de 300 manifestantes na porta do Windsor Barra Hotel, na cidade do Rio de Janeiro, entre ativistas e representantes de áreas afetadas como indígenas, quilombolas e pescadores de diferentes pontos do país.

Serão dois leilões, um de áreas fora do pré-sal, com 603 blocos em oferta, e um de áreas do pré-sal, com cinco blocos. Essas últimas são contratadas pelo regime de partilha de produção, que garante ao governo parte do petróleo produzido em caso de descobertas.

O mercado espera algum interesse pela bacia de Pelotas, no litoral do Rio Grande do Sul, após descobertas gigantes de petróleo na Namíbia, país africano que tem características geológicas semelhantes às verificadas no sul do continente americano.

A bacia de Pelotas não é estreante em leilões da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), mas não tem hoje nenhum contrato de concessão ativo. A Petrobras chegou a explorar a bacia em diferentes fases, mas não teve sucesso. Perfurou seu último poço lá entre abril e maio de 2001 e não encontrou petróleo.

Na margem equatorial, considerada a mais nova fronteira petrolífera do país, a ANP se limitou a oferecer blocos na bacia Potiguar, no litoral do Rio Grande do Norte, deixando de fora outras bacias, como a foz do Amazonas, alvo de embates entre as áreas ambiental e energética do governo.

Mas não há grande entusiasmo no mercado pelo leilão, com a expectativa de disputas apenas entre empresas independentes sobre projetos de menor porte que estejam próximos a áreas onde já têm operações.

A Eneva, por exemplo, é apontada como interessada no campo de Japiim, no Amazonas, que fica próximo ao campo de Azulão, comprado da Petrobras, de onde a empresa extrai gás natural para abastecer térmica em Roraima.

A ausência da estatal na disputa pelos blocos do pré-sal é um indicativo da pouca atratividade. Essas áreas já haviam sido oferecidas, sem interessados, e agora a ANP facilitou as condições.

Há uma percepção de que os grandes prospectos do pré-sal já foram concedidos em leilões anteriores. Em 2021, o então diretor-geral da ANP, Décio Oddone, afirmou que a era dos bônus bilionários em leilões de petróleo havia chegado ao fim.

"As áreas conhecidas do pré-sal já foram licitadas e as companhias estão com portfólios grandes no Brasil", disse ele, em entrevista à Folha, antes de leilão de duas áreas com bônus de R$ 11 bilhões —no desta quarta, as cinco áreas têm bônus somado de R$ 351 milhões.

O Instituto Internacional Arayara ainda tenta interromper a oferta na Justiça. "Organizamos a maior manifestação já vista num leilão da ANP por um motivo: o volume de blocos ofertado e a abrangência das áreas afetadas são inéditos", afirma Juliano Bueno de Araujo, diretor do instituto e do Observatório do Petróleo e Gás.

"Para terem uma ideia. Entre os territórios indígenas afetados, dois deles são de povos isolados, algo que ocorreu na história da agência. Esse indígena não faz a menor ideia do que é um gasoduto ou uma torre de petróleo, e não poderia estar sendo exposto a esse tipo de risco."

A manifestação desta quarta conta com apoio da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Também haverá mobilização de quilombolas em seus respetivos estados, especialmente no Ceará, local muito afetado.

Araujo lembra que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu em campanha o compromisso de defesa dessas comunidades. "Há insatisfação e até um sentimento de traição entre eles", afirma.

O diretor do Arayara destaca ainda que o cenário de emissões recordes motivou a ação judicial climática. "Ela será longa e visa identificar responsabilidades da ANP e do governo brasileiro em relação à emissão de gases de efeito estufa, e as obrigações legais da agência e seu diretor-geral", afirma.

A entidade diz que a oferta de novos campos de exploração de petróleo no Brasil no dia de encerramento da COP28, que discute soluções para a crise climática, é uma "bomba" de emissão de gases de efeito estufa.

Pelas estimativas da ONG, se o leilão licitasse todos os blocos, as emissões totais geradas a partir da exploração das novas áreas seriam superiores a 1 GtCO2e (bilhão de toneladas de carbono equivalente), volume que corresponde a 43,5% das emissões atuais do país.

Mas não é o que normalmente ocorre no novo modelo de leilão da ANP, que oferece setores de blocos em vez de blocos isolados —daí o elevado número de áreas. No último leilão desse tipo, o mercado apresentou ofertas por 15% das áreas oferecidas.

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