Em leilão concorrido, governo abre nova frente de exploração de petróleo no RS

Certame da ANP concedeu 44 blocos na bacia de Pelotas, com arrecadação de R$ 298 milhões; ambientalistas lamentam

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro e Brasília

Consórcios liderados por Petrobras e pela americana Chevron arremataram nesta quarta-feira (13) 44 blocos exploratórios na bacia de Pelotas, no litoral do Rio Grande do Sul, abrindo uma nova fronteira para a exploração de petróleo no país.

A abertura de novas fronteiras petrolíferas é criticada por organizações ambientalistas diante do cenário de emergência climática e da necessidade de transição para energias mais limpas. Na COP28, chegou-se a discutir metas para a redução da produção de petróleo, mas não houve acordo.

No leilão, que teve um total de 192 áreas arrematadas (32% da oferta), o governo concedeu ainda quatro áreas exploratórias e um campo de produção na Amazônia, um dos focos de protestos de organizações ambientalistas, que tentaram barrar o certame na Justiça.

Indígena com camiseta branca, bandeiras amarelas e rosto pintado de preto abre os braços
Protesto de indígenas e ambientalistas na porta de hotel onde acontece leilão de áreas para exploração de petróleo no país, no Rio - Eduardo Anizelli/Folhapress

A arrecadação total no leilão foi de R$ 421,7 milhões, um ágio médio de 179,7% sobre o preço mínimo das áreas concedidas. Em um leilão do pré-sal realizado logo depois, apenas uma de cinco áreas foram arrematadas, com arrecadação R$ 7 milhões.

"Foi um excelente resultado para o Brasil", afirmou o diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), Rodolfo Saboia. "O leilão demonstrou que há interesse das companhias em áreas de novas fronteiras."

A bacia de Pelotas não tem um poço perfurado desde 2001, quando a Petrobras fracassou na busca por reservas na região, mas teve o interesse renovado por descobertas de reservas gigantes na Namíbia, que tem características geológicas semelhantes.

As empresas vencedoras se comprometeram a gastar R$ 298,3 milhões em bônus de assinatura e com cerca de R$ 1,5 bilhão em investimentos mínimos. É a primeira vez, desde 2004, que um bloco exploratório na bacia de Pelotas é arrematado em leilões da ANP, que ofereceu 165 áreas na região.

A Petrobras arrematou 29 blocos em parceria com a anglo-holandesa Shell e com a chinesa CNOOC. Com as aquisições desta quarta, que lhe custarão R$ 116 milhões em bônus de assinatura, a estatal amplia sua área exploratória de cerca de 30 mil para cerca de 50 mil quilômetros quadrados.

O presidente da companhia, Jean Paul Prates, disse que a estratégia é aliar a busca por novas reservas de petróleo à transição energética, já que a região tem potencial também para geração eólica no mar. A área também tem menos risco de problemas no licenciamento, disse.

A avaliação de Prates é que projetos conjuntos de produção de petróleo e energias renováveis terão mais chance de sobreviver no longo prazo, quando o financiamento para a indústria petrolífera tende a ficar mais restrito.

Para a Shell, a parceria ampliou de 39 para 58 o número de contratos para exploração de petróleo no Brasil. A empresa é a segunda maior produtora de petróleo no país.

"O Brasil é e continua sendo um país muito importante para a companhia", disse o presidente da Shell Brasil, Cristiano Pinto da Costa.

A Chevron ficou com 15 áreas, na maior participação em leilões brasileiros nos últimos anos, mais um sinal de que a empresa vem reforçando sua aposta no petróleo após a aquisição bilionária da Hess, que lhe garantiu presença na promissora Guiana e ampliou sua fatia na produção de xisto dos Estados Unidos.

A empresa americana, que tem operações na Namíbia, participou sozinha do leilão e ofereceu elevados ágios em relação aos preços mínimos estipulados pela ANP. A empresa afirmou que as aquisições fortalecem a presença no país e complementam seu portfólio global de exploração.

Ainda que decida apostar novamente no Sul, a Petrobras mantém a aposta na margem equatorial como plano A para renovar suas reservas. A empresa obteve em setembro licenças para perfurar dois poços na bacia Potiguar e espera autorização para poço na bacia da Foz do Amazonas em 2024.

Prates afirmou que a companhia espera obter em 2024 licença para perfurar na bacia da Foz do Amazonas, onde vem encontrando resistências para aprovar a perfuração de um poço em águas profundas.

A primeira tentativa terminou com negativa do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), mas a companhia recorreu. A ANP ofereceu nesta quarta áreas na bacia Potiguar, uma das bacias da margem equatorial, mas não houve interessados.

Saboia destacou que o leilão abriu outra nova fronteira exploratória no país, com a aquisição pela norueguesa Equinor de uma área na Bacia de Santos que fica além das 200 milhas náuticas das águas territoriais brasileiras. Foi a primeira concessão fora desse limite.

Judicialização surtiu efeito, diz ONG

O Instituto Arayara, que entrou na Justiça com oito ações questionando inúmeras áreas, identificou que a judicialização surtiu efeito. Dos 77 blocos que foram alvo de ações, somente 5 foram arrematados, uma taxa de sucesso recorde, com proteção de 94% das áreas.

Ainda assim, a entidade não comemora. Considera que as empresas levaram um número elevado de áreas, várias em locais identificados como sensíveis.

"Esse não foi apenas o maior leilão da história da ANP em áreas ofertadas, foi também o maior em áreas adquiridas. Nos preocupa como será o efeito sobre as emissões com a exploração de 193 blocos, sendo que alguns ocupam inúmeros municípios. O bloco de Santa Cataria que vai impactar terra indígena ocupa 14 municípios", afirma Nicole Oliveira, diretora-executiva da Arayara.

A instituição identificou, por exemplo, a exploração vai ameaçar cinco terras indígenas e que 17 blocos estão sobrepostos a sítios arqueológicos. Também foram arrematados dois blocos sobrepostos a unidades de conservação, as APAs (área de proteção ambiental) Guajuma e Adolpho Ducke, ambas no Amazonas.

Segundo a entidade, dos 14 blocos que ameaçam área de corais, 11 ficaram com a Chevron, dois com a Karoon e um com CNOOC.


Blocos em áreas sensíveis, segundo estudo da Arayara

1 área de acumulação marginal
2 em sobreposição à Unidades de Conservação
3 em sobreposição à área de Raio de Restrição de Terra Indígena
3 em sobreposição à PAN (*) Manguezal
7 em sobreposição à Zonas de Amortecimento
14 em sobreposição à PAN Corais
17 em sobreposição à Sítios Arqueológicos
39 em sobreposição à Áreas Urbanizadas
73 em sobreposição a Assentamentos,
130 em sobreposição à Áreas de Prioritárias para Conservação,
120 em sobreposição à Áreas com potencial de fracking

(*) Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Ambientes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.