Descrição de chapéu indígenas

Mineradora precisa ressarcir indígenas nambikwaras por danos de invasão garimpeira, decide Justiça

Sentença diz que empresa fez acordo com garimpeiros na década de 90; OUTRO LADO: Mineração Santa Elina afirma que área 'nunca foi de seu domínio'

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Manaus

A Justiça Federal em Mato Grosso condenou uma mineradora que explorou área vizinha à Terra Indígena Sararé a ressarcir os indígenas por danos causados ao território. A ação da Mineração Santa Elina, descrita na sentença, remonta ao ciclo do garimpo ilegal na região na década de 90 —e pode ajudar a explicar o interesse de garimpeiros pela área, que vive novo ciclo de exploração.

No terceiro capítulo da série de reportagens "Cerco às Aldeias", publicado no último dia 19, a Folha mostrou que o garimpo ilegal não cerca apenas aldeias do pequeno território dos nambikwaras em Mato Grosso, mas também o posto de vigilância da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), reaberto no território dois anos atrás.

Vista aérea de áreas com pequenas lagoas de água marrom usadas pelo garimpo no meio da floresta
Garimpo chamado de Fofoquinha na Terra Indigena Sararé, em Mato Grosso - Lalo de Almeida - 28.nov.2023/Folhapress

A terra Sararé foi o segundo território com mais alertas de garimpo em 2023, neste começo da atual gestão de Lula (PT). O primeiro foi a terra Kayapó, no Pará, levando em conta dados de janeiro a setembro. A diferença é que Sararé tem 67 mil hectares, e a terra Kayapó, 3,3 milhões de hectares.

Cerca de 2.000 invasores atuam todos os dias em garimpos na terra Sararé que são verdadeiras invasões, com restaurantes, prostíbulos, barracos e acampamentos. Operações de fiscalização isoladas são incapazes de conter o avanço dos garimpeiros na busca por ouro.

A exploração ilegal do minério conta com modalidades de devastação não vistas em outros territórios invadidos. Além de escavadeiras hidráulicas, balsas e dragas, garimpeiros usam explosivos para abertura de túneis na Serra da Borda, que fica na terra indígena, e moinhos a motor para garimpagem em blocos de pedras desprendidos na serra.

No começo dos anos 90, a Terra Indígena Sararé viveu uma corrida pelo ouro, com cerca de 5.000 invasores. Foi quando o posto de vigilância foi construído, para ser fechado depois, até a reabertura em 2021.

É ao início da década de 90 que remonta a ação do MPF (Ministério Público Federal) na Justiça contra o garimpo ilegal na região. A ação civil pública inicial é de 1992.

Dois homens em cima de uma máquina de grandes proporções parcialmente enterrada no meio de árvores e galhos
Indigenas observam retroescavadeira enterrada na floresta por garimpeiros ilegais para escondê-la da fiscalização, perto da aldeia Serra da Borda, na Terra Indigena Sararé, em Mato Grosso - Lalo de Almeida - 26.nov.2023/Folhapress

A sentença da juíza federal Tainara Leão, de uma vara federal de Cáceres (MT), foi proferida em abril de 2023. Em agosto, a mesma magistrada rejeitou recursos —embargos de declaração— contra a decisão, que também ordena a retirada de invasores.

A condenação em razão de garimpo ilegal na terra Sararé atingiu a Mineração Santa Elina, uma cooperativa de garimpeiros, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e a União.

Segundo a decisão judicial, a Funai foi omissa quanto à fiscalização da área, "mesmo sabedora dos fatos em que se encontrava a reserva". A omissão contribuiu para a situação ficar mais grave, conforme a sentença. Houve falhas da União diante da destruição de cursos d’água pelos garimpos, apontou a ação.

A Funai não respondeu aos questionamentos da reportagem.

No caso da mineradora, houve um acordo da empresa com uma cooperativa de garimpeiros, que permitia exploração de minérios dentro de uma área de pesquisa de tântalo, como consta na decisão.

"Ocorre que, com a atividade garimpeira, houve graves e irreparáveis danos ao ecossistema", cita a ação acatada pela juíza. "A responsabilidade da Mineradora Santa Elina também se verifica, pois celebrou pacto autorizando exploração de minério em área a si reservada, sem estabelecer um mecanismo eficaz de controle da atividade", disse a magistrada.

Assim, a exploração de minérios se estendeu "indiscriminadamente" para a terra indígena. "Resta evidente a responsabilidade dos requeridos –ação e omissão– pela recomposição do dano ambiental causado", apontou a juíza, que citou a ocorrência de uma "situação caótica" com "centenas de garimpeiros" dentro do território tradicional.

Em nota, a Santa Elina afirmou que a área "nunca foi de seu domínio" e que "jamais concedeu a garimpeiros qualquer tipo de autorização para extração irregular de minérios".

"A companhia nunca realizou exploração minerária na área vizinha à terra Sararé ou à terra dos nambikwaras. A Mineração Santa Elina não tem operação em Mato Grosso", cita a nota. A empresa nunca exerceu mineração em terras indígenas, afirmou.

Garimpeiros invasores da terra Sararé costumam dizer que "qualquer lugar dá ouro" no território, por existir uma mineradora ao lado.

Os indígenas costumam se referir à mina como da Santa Elina. A empresa afirmou que a mina pertence à Mineração Apoena.

Os diretores das duas mineradoras integram um mesmo grupo, Aura Minerals. "A mina não está instalada em área indígena, conforme alvarás emitidos pelas autoridades", afirmou o grupo Aura, em nota. "Estão sendo desenvolvidas pesquisas minerais na mina, além de cuidados e manutenção."

A sentença obriga ressarcimento e responsabilização por prejuízos causados ao meio ambiente e às comunidades indígenas, em razão do desmatamento para abertura de lavras na Terra Indígena Sararé.

Um novo ciclo de invasores está em curso, alimentado ao longo de 2023. Entre os garimpeiros e operadores da logística do garimpo, estão invasores que antes atuavam em territórios como o Yanomami, em Roraima, e o Mundurucu, no Pará.

A Mineração Santa Elina tem um histórico de irregularidades na exploração mineral. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) já embargou quatro áreas da empresa, em 2004, 2009, 2011 e 2016.

Conforme dados do Ibama, 2 dos 4 embargos —de áreas de floresta amazônica em Nova Lacerda (MT) e Paranaíta (MT)— se deram em razão de "pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente licença ambiental ou em desacordo com a mesma". Mineradoras ligadas ao grupo Santa Elina fizeram sucessivos pedidos de exploração de minérios em terras indígenas.

A empresa não respondeu aos questionamentos sobre os embargos e sobre os pedidos para exploração mineral em territórios tradicionais.

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