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Pesca de arrasto libera toneladas de CO2 do fundo do oceano, diz estudo

Nova pesquisa estima que prática pesqueira agressiva libera anualmente 370 milhões de toneladas de carbono na atmosfera

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Todd Woody
Bloomberg

A pesca de arrasto no fundo do oceano está liberando toneladas de dióxido de carbono (CO2), de acordo com cientistas que quantificaram pela primeira vez as emissões de gases de efeito estufa causadas por essa técnica pesqueira destrutiva.

Navios de pesca de arrasto utilizam redes enormes e pesadas —com até 800 metros de comprimento— que vasculham o fundo do oceano para capturar camarões, caranguejos, bacalhau, linguado e outros peixes. Cientistas e ambientalistas há muito tempo se opõem à pesca de arrasto no fundo do mar devido aos danos que ela causa aos ecossistemas do leito marinho, como recifes de coral, e pela morte de tartarugas marinhas, tubarões e outras espécies marinhas que são capturadas acidentalmente nas redes.

Há também um custo climático, de acordo com um artigo publicado nesta quinta-feira (18) no periódico Frontiers in Marine Science. Pesquisadores calcularam que a perturbação do CO2 armazenado nos sedimentos do fundo do mar pela pesca de arrasto libera na atmosfera até 370 milhões de toneladas desse gás de efeito estufa a cada ano. Isso é mais do que o dobro do CO2 emitido pela queima de combustíveis fósseis pela indústria pesqueira global.

Pescadores separam peixes à bordo de navio ladeados por imensas redes de pesca
Pescadores separam peixes à bordo de navio de pesca de arrasto na costa de Port-la-Nouvelle, sul da França, ladeados pelas imensas redes usadas na prática - Raymond Roig - 11.ago.2021/AFP

Os autores do novo artigo também estimaram que qualquer CO2 liberado que permaneça no oceano está acidificando as águas ao seu redor, o que pode dissolver as conchas de caranguejos, mexilhões, ouriços-do-mar e outros frutos do mar dos quais as pessoas dependem.

"Essas são áreas fechadas, especialmente como o Mediterrâneo, onde podemos ver que o CO2 pode criar acidificação localizada que pode ser bastante substancial", disse Trisha Atwood, principal autora do estudo e professora associada de ciências das bacias hidrográficas na Universidade Estadual de Utah.

Ela observou que mais pesquisas são necessárias para quantificar o impacto local da acidificação, uma vez que a modelagem dos pesquisadores analisou o oceano em escala global.

Este estudo não é o primeiro a relacionar a pesca de arrasto e o CO2: um artigo publicado em 2021 na revista Nature, que analisou medições de CO2 em áreas de pesca de arrasto, estabeleceu pela primeira vez que os sedimentos perturbados liberaram no oceano o gás que aquece o planeta.

A nova pesquisa, baseada nesses dados, utilizou modelos computacionais para mostrar que de 55% a 60% do dióxido de carbono liberado pelos sedimentos de arrasto chega à atmosfera a partir de profundidades de pelo menos 500 metros, enquanto o restante permanece no oceano.

Embora possa levar décadas para que o dióxido de carbono dissolvido nos sedimentos do leito marinho seja liberado na atmosfera, dependendo da profundidade, os modelos dos cientistas mostraram que o CO2 proveniente da pesca de arrasto entrou rapidamente no ar entre 1996 e 2020.

"Leva apenas cerca de nove anos para que ele saia completamente do oceano e entre na atmosfera, e a quantidade de CO2 sendo emitida pela pesca de arrasto global a cada ano é o suficiente para que as pessoas devam prestar atenção nesse assunto", disse Atwood. "Uma parte desse CO2 é muito, muito antigo e pode ter sido depositado no oceano há 10 mil anos."

Milhares de pequenos peixes são despejados em barco
Arenques são despejados em barco de pesca de arrasto em Kotka, sul da Finlândia - Alessandro Rampazzo - 10.out.2023/AFP

Anastasia Romanou, cientista da Nasa que estuda o ciclo do carbono no oceano e é coautora do novo artigo, disse que a rapidez com que o CO2 proveniente da pesca de arrasto chega à atmosfera significa que restringir a prática teria um benefício climático quase imediato.

"Qualquer esforço de mitigação será muito eficaz e poderemos ver os resultados", disse Romanou, uma das autoras do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas.

As descobertas ainda subestimam as emissões de CO2 da pesca de arrasto no fundo do mar, disse Atwood, pois os dados não estavam disponíveis para certos pontos pesqueiros pouco monitorados, como o Sudeste Asiático. Os cientistas identificaram o Mar Báltico, o Mar da China Oriental, o Mar da Groenlândia e o Mar do Norte como os mais impactados pela pesca de arrasto no fundo do mar.

A nova pesquisa provavelmente enfrentará resistência de alguns setores do mundo científico. Após a publicação do artigo de 2021, um grupo de cientistas escreveu uma resposta questionando a metodologia utilizada e argumentando que os pesquisadores superestimaram a quantidade de CO2 liberado pelos sedimentos do leito marinho devido à pesca de arrasto.

O autor principal do artigo de 2021, o cientista marinho Enric Sala, afirmou em um comunicado que a nova pesquisa valida as descobertas iniciais de seus colegas. "Muitas pessoas menosprezaram a importância das descobertas do estudo de 2021, dizendo que o carbono na água é inconveniente, mas que as emissões atmosféricas são o que conta", disse Sala, também coautor do novo artigo e diretor executivo da iniciativa Pristine Seas da National Geographic Society.

"Este [novo] relatório é essencial, pois mostra que aproximadamente metade das emissões da pesca de arrasto polui a atmosfera e a outra metade aumenta a acidez do oceano", afirmou.

Romanou disse que, embora a liberação estimada de CO2 atmosférico proveniente da pesca de arrasto seja uma porcentagem significativa das emissões associadas à pesca, é um número pequeno no contexto das emissões globais totais.

Ainda assim, a pegada da pesca de arrasto está aumentando, observou ela, e os formuladores de políticas públicas ainda não estão considerando seus impactos na acidificação do oceano e nas emissões de CO2. "À medida que a humanidade expande as atividades de pesca de arrasto e as intensifica, esperamos ver regiões maiores sendo afetadas", disse Romanou.

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