Grandes embarcações pressionam pesca artesanal no Pará

Reservas costeiras concentram vilarejos de pescadores que atuam como guardiões do meio ambiente

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O pescador Adiel Mescoto Miranda, 63, conserta uma rede de pesca em sua casa na vila Ajuruteua, próximo ao município de Bragança (PA) Lalo de Almeida/Folhapress

Ajuruteua (PA)

O impacto ambiental da exploração da pesca na costa norte do país já começa a ser sentido pelas comunidades de pescadores artesanais do Pará.

Com embarcações de grandes proporções, a pesca industrial, em geral voltada para a venda do produto no mercado internacional, afeta espécies da fauna costeira ameaçadas de extinção e também comunidades de pescadores.

Isso porque, com a chegada cada vez mais frequente de embarcações estrangeiras, em busca da pesca de peixes, como o pargo (Lutjanus purpureus), e de crustáceos, como a lagosta (família Nephropidae), as comunidades tradicionais ficam à mercê de empregadores e vivenciam cada vez mais o declínio populacional dos animais.

"Tem uns dez anos que está cada vez mais raro os peixes virem para cá. Porque eles vão pescar lá no Norte [do país, na costa do Amapá] e sobra pouco peixe para a gente aqui", afirma Adiel Miranda, 63, que nasceu e mora no vilarejo paraense de Ajuruteua, perto de Bragança (214 km de Belém), e é pescador desde os oito anos.

Um dos impactos mais observados é a queda das populações de peixes ocasionada pela sobrepesca, afirma Bianca Bentes, professora da UFPA (Universidade Federal do Pará), campus Bragança.

"A pesca de longo alcance começou de fato a partir de 1970, principalmente quando os barcos passaram a vir do Nordeste para o Norte por conta da falta de estoques naquela região. Barcos cargueiros em busca de pargo, da lagosta, e nesse mesmo período tivemos a introdução da pesca de arrasto industrial", explica a pesquisadora.

Como a competição com as grandes embarcações é muitas vezes desleal, os pescadores frequentemente se associam a um "patrão" ou "atravessadores", como são chamados os empregadores que fazem a venda do pescado nos mercados da região. Eles fornecem o combustível dos barcos e levam a mercadoria em troca de 50% do valor do pescado.

"A pesca em si tá cada vez mais difícil. Você gasta em torno de R$ 3.000 em um curral simples e, se não conseguir pescar nada, não vai pagar pelo equipamento", conta Lázaro Fernandes, 62, pescador e mestre carimbó, também morador de Ajuruteua.

Os grandes navios pesqueiros causam um desequilíbrio nas espécies quando os animais são retirados do mar sem respeitar o tempo de reprodução e de manutenção daquelas populações.

"Eu sei que o mar dá tudo para a gente, mas a gente precisa respeitar o tempo [deles]. Agora o pessoal da lagosta quer aproveitar, eles disseram: ‘seu Adiel, quer ver peixe, é lá no barco arrastador’ [em referência à pesca de arrasto], mas eles estragam o peixe, jogam tudo fora", conta o pescador artesanal.

Em quase toda a costa do Pará, foram criadas, em 2005, por meio de um decreto do presidente Lula (PT), unidades de proteção onde a pesca e o extrativismo são controlados, as resex (reservas extrativistas).

Como reserva, os moradores da região têm autorização para o uso sustentável. Isso ajuda o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade) a monitorar a quantidade de peixes e caranguejos que são pescados, bem como estabelecer períodos do chamado "defeso", quando não é permitida a pesca.

"É uma área também extremamente delicada, porque ela é muito habitada, e não tem como remover as pessoas dali. Então a solução é a criação das resex para ajudar na proteção ambiental e também garantir a sobrevivência dos pescadores ali", diz Alberto Akama, ictiólogo (especialista em peixes) e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi, .

Fernandes, que é também o representante do vilarejo de Ajuruteua no conselho da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu junto ao ICMBio, conta que a comunidade aprendeu em oficinas e reuniões a prática do manejo. "Isso é importante para garantir a nossa sobrevivência", destaca.

A falta de uma legislação nacional de controle da pesca também abre possibilidade para a sobrepesca e a pesca predatória. De acordo com o portal SisRGP (Sistema Informatizado do Registro Geral de Atividade Pesqueira), onde ficam concentradas as estatísticas pesqueiras, os pescadores artesanais são orientados a preencher um cadastro informando a quantidade pescada.

Mas os especialistas afirmam que esse dado sofre de subnotificação. "De acordo com nossos estudos, sabemos que quase nada do que é pescado e exportado é comunicado, porque os dados disponibilizados ao governo não batem com os mapas de bordo", avalia Bentes.

O relatório "Auditoria da Pesca 2022", produzido pela ONG Oceana e divulgado em julho deste ano, revela que somente 51% das 49 pescarias avaliadas tiveram controle fiscalizatório, e apenas seis (12%) apresentaram algum tipo de dado sobre pesca incidental —quando o animal capturado não era aquele para o qual havia o direcionamento pesqueiro.

Segundo o Ibama, o órgão vem aumentando a frota e a fiscalização referente ao desembarque do pescado em toda a costa brasileira. "A fiscalização da atividade pesqueira deve ocorrer em toda a cadeia de custódia, para a qual é fundamental que seja implementado o sistema de rastreabilidade do pescado, como ocorre com recursos florestais", disse o órgão, em nota.

Já o MPA (Ministério da Pesca e Aquicultura) afirmou que mais de 2.000 embarcações de pesca atuam na região Norte.

A pasta afirmou, porém, que não há "frotas estrangeiras atuando na costa brasileira legalmente, ou seja, autorizadas pelo MPA".

Por fim, o ICMBio disse que as atividades irregulares realizadas dentro das UCs (unidades de conservação) marinhas e resex devem ser informadas ao órgão "através de conselheiros da comunidade, associações comunitárias, denúncias via grupo de mensagens ou protocolo no [site] gov.br".

A reportagem foi realizada com o apoio da Earth Journalism Network.

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