Ferrogrão é arrojada e governo vai seguir com projeto se STF autorizar, diz ministro

Considerada 'nova Belo Monte', ferrovia que corta Amazônia é criticada por ambientalistas e povos indígenas

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Leipzig (Alemanha)

O ministro dos Transportes, Renan Filho, classificou a Ferrogrão como um investimento arrojado e disse que o governo vai seguir com o projeto da ferrovia caso o STF (Supremo Tribunal Federal) resolva o atual impasse jurídico.

Em viagem à Alemanha para participar do Fórum Internacional de Transporte, o ministro afirmou que, após autorização legal, haverá uma avaliação ambiental aprofundada sobre a obra —que vem sendo contestada por ambientalistas e representantes dos povos indígenas.

"Se a decisão do Supremo for no sentido de seguir, nós vamos seguir. Se for no sentido de alterar, nós vamos alterar o que precisa alterar. Isso aconteceu agora com a Petrobras e com vários outros segmentos do governo", disse Renan Filho, em referência à recente negativa do Ibama para que a estatal explore petróleo na foz do rio Amazonas.

Trem da Rumo Logística, passando pela malha da MRS, próximo da Estação Evangelista de Souza, no bairro Emburá, extremo sul da cidade de São Paulo
Trem da Rumo Logística, passando pela malha da MRS, próximo da Estação Evangelista de Souza, no bairro Emburá, extremo sul da cidade de São Paulo - Eduardo Anizelli - 13.mai.2021/Folhapress

Obra monumental na região Amazônica, a Ferrogrão é considerada um dos projetos antiambientais do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), chamada inclusive de "nova Belo Monte".

Com cerca de 1.000 km de extensão e um custo orçado em R$ 20 bilhões, a obra escoaria grãos, sobretudo soja e milho, de uma das principais regiões produtoras do país, o Mato Grosso, pelo chamado Arco Norte, na Amazônia. Teria uma ponta em Sinop (MT) e outra no porto de Miritituba (PA), no rio Tapajós.

A mobilização contrária envolve alertas sobre os impactos de uma ferrovia que atravessa a floresta amazônica e margeia terras indígenas.

Situado no meio do trajeto da Ferrogrão, o Parque Nacional Jamanxim precisaria ter sua área alterada para que a ferrovia pudesse ser feita.

Os limites da floresta chegaram a ser mudados durante o governo Michel Temer (MDB), mas, em março de 2021, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a lei em liminar. A definição sobre o caso está marcada para 31 de maio, no STF.

Segundo Renan Filho, a Ferrogrão tem este primeiro desafio jurídico e depois um ambiental.

"Espero que, juridicamente, a gente tenha condição de avançar e, entendo, vamos fazer uma discussão aprofundada do ponto de vista ambiental, para que tenhamos o melhor projeto para a região, e que melhore a eficiência para transportar a carga produzida no Brasil central, especialmente de grãos", disse.

O ministro afirmou que a obra é uma das mais arrojadas do tipo, mas defende que é possível fazer este tipo de investimento com sustentabilidade.

"A gente não defende —e eu nunca vi o presidente [Lula] defendendo isso— não ter investimentos para melhorar a competitividade nacional por conta dessas outras questões [ambientais]. Mas é óbvio que o contrário também é falso", afirmou.

A Ferrogrão é vista por ambientalistas como um dos empreendimentos de maior potencial de impacto no país, junto com a exploração de petróleo na foz do Amazônia e o asfaltamento da BR-319 —rodovia que corta o bioma.

Em julho de 2021, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) enviou uma carta à Internacional Progressista, entidade que reúne lideranças globais de esquerda, alertando sobre os impactos do projeto no ecossistema da região.

"O projeto da Ferrogrão só pode ser comparado a catástrofes humanitárias e ambientais como a rodovia Transamazônica e a usina hidrelétrica de Belo Monte", diz carta.

No governo Lula 3, a Ferrogrão tem sido motivo de embate entre ministérios. Enquanto a pasta dos Transportes quer tirar a obra do papel, a titular do Ministério dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, atua no sentido contrário.

Na semana passada, a ministra pediu à AGU (Advocacia Geral da União) que se manifestasse junto ao STF contra a mudança nos limites do Parque Nacional Jamanxim.

Questionado sobre a divergência interna do governo, Renan Filho disse ser natural haver posições distintas.

"Cada pasta tem seu interesse e tem as suas atuações mais determinadas. É óbvio que a gente vai ter que conversar com o Ministério dos Povos Originários e com a área ambiental do governo, mas isso precisa ocorrer no momento apropriado. Agora nós estamos aguardando a decisão do Supremo", afirmou.

"Mas a posição central é garantir os investimentos em infraestrutura que permitam o Brasil avançar e gerar riqueza com sustentabilidade. Esse é o equilíbrio que o presidente Lula visa buscar", acrescentou.

Demanda antiga do agronegócio, a Ferrogrão ganhou celeridade durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL). Para tirar a ferrovia do papel, o governo buscou apresentá-la como ambientalmente sustentável, o que envolveu, inclusive, assinatura de memorando com a CBI (Climate Bonds Initiative), que certifica obras com uma espécie de "selo verde".

Um dos principais articuladores, à época, foi o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, hoje governador de São Paulo.

O argumento sustentável se baseia na promessa de reduzir a emissão de toneladas de carbono —graças à redução esperada de 90% no fluxo de caminhões na BR-163, que hoje leva a soja mato-grossense para o porto no Tapajós.

Apesar de ganhar tração no governo Bolsonaro, o projeto havia sido defendido anteriormente pelo PT, e chegou a constar de uma versão do PIL (Programa de Investimentos em Logística), anunciado pelo governo Dilma Rousseff, em 2015. Mas nunca foi adiante.

Agora, a obra tem apoio do próprio presidente. A Ferrogrão pode azeitar a relação de Lula com o agronegócio, setor que apoiou massivamente a reeleição de Bolsonaro e que ainda tem uma relação conflituosa com o petista.

O repórter viajou a convite do ITF (Fórum Internacional de Transporte)

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