Descrição de chapéu The New York Times clima

Jovens americanos adotam poço de petróleo abandonado para fechá-lo

Mesmo inativos, poços liberam metano na atmosfera, gás de efeito estufa muito mais potente que o CO2

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Delger Erdenesanaa
The New York Times

Quando criança, na Bolívia, Mateo De La Rocha disse à família que queria trabalhar como lixeiro quando crescesse. Em La Paz, sua cidade natal, havia pilhas de lixo espalhadas por toda parte. Aos olhos do pequeno Mateo, o trabalhador de coleta de resíduos do bairro era a única pessoa que limpava a poluição. "Eu não via ninguém fazendo nada a respeito, além do lixeiro, claro."

Mais tarde, sua família se transferiu para os Estados Unidos. De La Rocha, 18, está no último ano do ensino médio em Cary, na Carolina do Norte. Com dois amigos, encontrou uma maneira única de limpar a poluição: arrecadou US$ 11 mil (cerca de R$ 60 mil) para tapar um poço de petróleo abandonado, em Ohio, que vazava gás perto de um celeiro em uma fazenda de criação de cavalos.

É uma causa insólita para jovens ambientalistas: adotar um poço. No entanto, tem um efeito significativo nas alterações climáticas globais.

Três jovens estão de pé em um campo de grama alta, olhando para o horizonte com expressões pensativas. O céu azul com nuvens suaves serve de pano de fundo, enquanto os últimos raios de sol do dia criam um efeito dramático de luz e sombra em seus rostos e destacam a vegetação ao redor.
(Da esq.) Lila Gisondi, Mateo De La Rocha e Sebastian Ng, alunos do ensino médio na cidade de Cary, nos Estados Unidos, que adotaram um poço de petróleo para fechá-lo - Cornell Watson - 15.mai.2024/The New York Times

Cerca de 3,9 milhões de poços de petróleo e gás, envelhecidos e abandonados, pontilham todos os Estados Unidos, segundo informação da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês). As razões para o abandono variam, mas se sabe que pelo menos 126 mil desses poços são chamados de "órfãos" —o que significa que já não existe um proprietário ou uma empresa que se responsabilize por eles e a quem os oficiais do estado possam autuar.

Muitos vazam metano, gás de efeito estufa que é quase 30 vezes mais potente que o dióxido de carbono para reter o calor na atmosfera em um período de cem anos, e ainda mais potente em períodos mais curtos.

A EPA estima que os poços abandonados liberaram juntos 303 mil toneladas de metano só em 2022, o equivalente, mais ou menos, à mesma quantidade de dióxido de carbono que 23 centrais elétricas que queimam gás podem despejar na atmosfera em um ano. Essa estimativa, contudo, é bastante imprecisa.

Trabalhadores se preparam para despejar concreto em poço de petróleo abandonado
Trabalhadores se preparam para despejar concreto em poço de petróleo abandonado em Akron, Ohio, nos Estados Unidos - Angelo Merendino - 17.mai.2024/The New York Times

A lei climática assinada pela administração Joe Biden, Lei de Emprego e Investimento em Infraestruturas, de 2021, fez um repasse de US$ 4,7 bilhões a estados, povos indígenas e agências federais para tapar poços órfãos. Mas, dado seu grande número e a enorme área geográfica que cobrem, esses fundos federais não serão suficientes.

"Nenhum grupo isoladamente vai resolver esse problema. Acho que ONGs, governo e indústria serão necessários. Todos vão ter de trabalhar juntos", disse Andrew Govert, gestor do programa para encontrar poços órfãos não documentados e estabelecer melhores práticas para medir sua poluição. Trata-se de uma iniciativa federal do Departamento de Energia.

Dando o primeiro passo

Depois de concluir o curso Advanced Placement de ciências ambientais, Mateo De La Rocha percebeu que o metano desses poços abandonados era um problema no qual cada pessoa envolvida em seu combate faria a diferença. Convidou os amigos e colegas de curso Sebastian Ng e Lila Gisondi para unir esforços. Autodenominam-se Iniciativa Climática Juvenil.

"Quando Mateo me procurou para falar sobre isso, imediatamente pesquisei esses poços de metano e o que poderia ser feito a respeito. Foi quando uma luz se acendeu", afirmou Ng, de 17 anos. Antes, ele achava que não havia nada que, pessoalmente, pudesse fazer em relação às mudanças climáticas e não levava a sério a possibilidade de o fim do mundo chegar.

Para Gisondi, de 18 anos, conversar com seus amigos sobre esses poços emissores de metano fez com que as mudanças climáticas saíssem do fundo de sua mente e viessem para o primeiro plano: "Senti que poderia realmente ajudar."

Quando um poço não está mais sendo usado para bombear petróleo e gás, deve ser fechado com cimento em um processo denominado tapamento ou tamponamento. Mas muitos foram deixados abertos, muitas vezes em mau estado, poluindo as águas subterrâneas e liberando gases tóxicos, como o sulfeto de hidrogênio. Os poços podem ser extremamente perigosos para pessoas que estejam próximas.

O trio fez mais pesquisas e depois se aliou a uma organização sem fins lucrativos chamada Well Done Foundation, cuja missão é tapar poços órfãos. Foi fundada por Curtis Shuck, veterano da indústria de petróleo e gás que encontrou seu primeiro poço abandonado em 2019.

Shuck se lembra de ter pensado, ao perceber o problema pela primeira vez: "Isso é constrangedor para mim, que sou do ramo, e não pode continuar. Essa coisa de poços órfãos tem sido o segredinho sujo de muita gente."

Pouco depois, naquele mesmo dia, registrou o nome de domínio e o da organização sem fins lucrativos e criou a Well Done Foundation. Desde então, a organização localizou mais de 1.700 poços abandonados em todo o país e obstruiu 44 dos que foram identificados como sendo os mais problemáticos.

Um homem sorridente com capacete de segurança laranja e óculos tira uma selfie com um grupo animado de pessoas ao fundo. Eles estão em um campo aberto com neve esparsa no chão, levantando os braços em celebração
Selfie tirada por Curtis Shuck, fundador da Well Done Foundation, em uma excursão a um poço órfão no estado norte-americano de Montana - Curtis Shuck/Well Done oundation via The New York Times

Estudantes da Carolina do Norte concordaram em patrocinar o 45º poço de petróleo órfão, que está em uma fazenda de criação de cavalos em Ohio, perto do Parque Nacional do Vale de Cuyahoga. Fica ao lado do celeiro da fazenda e a apenas 100 metros da casa dos proprietários.

Melissa e Bill Simmons compraram a área em 2016, com dois filhos e vários cavalos e galinhas a reboque. Quase todas as propriedades que haviam conhecido na região tinham um poço antigo de petróleo ou gás. No início, acharam que, já que todas as fazendas tinham um deles, "deveria estar tudo bem", contou Melissa Simmons. O poço em sua propriedade fora perfurado em 1983 por uma empresa chamada Pine Top, que já está fora do mercado.

Cerca de um ano depois de se mudar, a família Simmons percebeu que o poço vazava gás. Os filhos do casal podiam ouvi-lo sibilando quando estavam do lado de fora da casa fazendo suas tarefas. Quando chovia e a água se acumulava nos cantos e recantos do macaco hidráulico que bombeia petróleo e gás, a família via o gás borbulhando na água. De vez em quando, também sentiam cheiro de gás dentro do celeiro. Tinham de deixar as portas abertas, temendo um acúmulo e uma possível explosão.

Melissa Simmons contatou o Departamento de Recursos Naturais de Ohio. Soube que as autoridades estaduais estavam lidando com uma longa lista de poços órfãos —mais de 20 mil documentados até agora no estado, que é uma das regiões produtoras de petróleo mais antigas do país. Disseram que o poço dela não justificava uma ação imediata. Depois de muitas ligações, um funcionário mencionou a Well Done Foundation, grupo sem fins lucrativos que poderia ajudar.

Eles conversaram no fim de 2021, mais de três anos depois que a família Simmons percebeu, pela primeira vez, o vazamento do poço. Shuck viajou até a fazenda, confirmou o problema e concordou em assumir o projeto.

Depois, os jovens da Iniciativa Climática Juvenil se juntaram ao esforço, arrecadando dinheiro em pequenas doses durante três meses. Uma das doações mais comoventes veio do primo de De La Rocha, de dez anos, que doou para a causa todo o dinheiro que ganhara no aniversário, um total de US$ 120 (cerca de R$ 640). A busca por fundos foi divulgada em uma newsletter bastante popular, chamada Gen Dread, que explora a questão da ansiedade dos jovens diante da crise climática.

Dois trabalhadores, sujos de graxa e suados, colaboram na operação de uma ferramenta para injetar concreto em poço de petróleo
Trabalhadores se preparam para bombear cimento em um poço órfão em Akron, Ohio, Estados Unidos - Angelo Merendino - 17.mai.2024/The New York Times

Os estudantes também persuadiram o Reimer Family Climate Crisis Fund, pequena fundação familiar com sede em Austin, no Texas, que já havia doado à Well Done, a subir suas doações. Os US$ 11 mil (R$ 60 mil) arrecadados pelos alunos cobrirão aproximadamente 15 por cento do custo total do projeto. A Well Done cobrirá o restante por meio de outras doações e patrocínios.

Os trabalhos começaram este ano. No final de maio, empreiteiros despejaram o cimento que vai tapar o poço.

Um problema nacional

A Well Done Foundation espera ampliar nacionalmente esse modelo de adoção de poços. Ao mesmo tempo, a organização iniciou o processo de obtenção de créditos de carbono emitidos por intermédio do American Carbon Registry. Essa entidade administra um mercado voluntário para indivíduos e empresas que querem adquirir créditos que financiam projetos destinados a reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

A lei climática de Biden estabeleceu um novo programa por intermédio do Departamento do Interior que é responsável pela distribuição de US$ 4,7 bilhões (R$ 25 bilhões) em subsídios federais. "O problema é tão grande que os novos fundos federais realmente são só uma quantia inicial. Existem poços demais, e eles são muito caros", disse Shuck.

"No futuro, a indústria do petróleo e do gás vai ter de ser responsável por tapar seus poços antigos", afirmou Adam Peltz, advogado do Fundo de Defesa Ambiental, que trabalha em questões de petróleo e gás.

De fato, o Escritório de Gerenciamento de Terras aumentou recentemente a quantidade de dinheiro exigido das empresas de petróleo e gás como reserva para tapar poços antes mesmo que comecem a perfurá-los. Isso evitará que surjam mais poços órfãos no futuro.

Mas, para os poços órfãos existentes, especialmente aqueles que são anteriores às regulamentações modernas, terá de ser feito "tudo que for preciso para obstruí-los", frisou Peltz.

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