Temperatura na Grande Barreira de Corais é a maior em 400 anos, mostra novo estudo

No verão de 2024, região ficou 1,73°C mais quente que a média anterior ao século 20

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São Carlos (SP)

As temperaturas do mar em torno da Grande Barreira de Corais australiana, a maior estrutura formada por esses animais no planeta, já são as mais altas dos últimos 400 anos, indica um novo estudo.

No verão de 2024, o local ficou 1,73°C mais quente que a média anterior ao século 20, uma situação que representa grave risco tanto para os corais quanto para toda a biodiversidade marinha que depende deles.

O calor tem sido acompanhado de sucessivas ondas de branqueamento coralífero, nas quais os invertebrados perdem sua principal fonte de nutrientes e podem sofrer altos índices de mortalidade.

A reconstrução detalhada das mudanças de temperatura na Grande Barreira acaba de sair em artigo na revista especializada Nature. Liderada por Benjamin Henley, da Universidade de Wollongong, na Austrália, a equipe usou medições de termômetros e análises da composição química dos corais, bem como modelos climáticos, para investigar a relação entre o branqueamento e as ondas de calor.

Foto submarina de corais branqueados e mortos
Corais branqueados e mortos na ilha do Lagarto, na Grande Barreira de Corais da Austrália - DAVID GRAY/David Gray - 5.abr.2024/AFP

"Os eventos recentes de aumento da temperatura e de branqueamento são de natureza extrema e, ao menos nos últimos quatro séculos, não têm precedentes", resumiu Henley em entrevista coletiva online.

"Quando juntamos todas as evidências, a conclusão é que tais eventos estão acontecendo rápido demais para que os recifes de coral consigam se adaptar a eles, o que significa que a Grande Barreira está em perigo."

O branqueamento em massa é um problema cada vez mais comum para os recifes do mundo. Trata-se de um rompimento da simbiose (convivência benéfica) entre os corais, que são invertebrados do grupo das águas-vivas, e diferentes tipos de algas de uma célula só, as zooxantelas.

Em águas de temperatura moderada, as zooxantelas vivem dentro das estruturas coralíferas, realizando fotossíntese. A associação fornece nutrientes e proteção para as algas, enquanto os corais se beneficiam da energia gerada pela fotossíntese —calcula-se que, no caso de muitas espécies, 90% das suas necessidades alimentares são supridas pela parceria.

Quando a temperatura do mar sobe, no entanto, a tendência é as zooxantelas produzirem formas nocivas de oxigênio, que são tóxicas para os corais. Com isso, os invertebrados expelem as algas. Como os principais pigmentos desses animais são oriundos das zooxantelas, eles acabam ficando brancos —daí o branqueamento em massa dos recifes. E, se o processo se prolongar por meses, a tendência é que os corais comecem a morrer.

Na Grande Barreira de Corais, eventos de branqueamento em massa se tornaram extremamente comuns nas últimas duas décadas, ocorrendo cinco vezes de 2016 para cá.

Os dados diretos de temperatura da própria barreira e das regiões vizinhas, o chamado mar de Coral, mostram uma intensificação do aumento da temperatura —de 1900 a 2024, a taxa foi de 0,09°C por década, enquanto passou a ser de 0,12°C por década entre 1960 e 2024.

Nos cinco eventos de branqueamento de 2016 para cá, a temperatura estava quase 0,8°C mais alta do que a média entre os anos 1960-1990 —em suma, há vários sinais de que o aquecimento está acelerando.

Já os dados da composição química dos corais, que medem a presença de certos isótopos (variantes) do elemento químico oxigênio e a proporção entre os átomos de estrôncio e cálcio, ajudam a estimar a temperatura da água do mar no passado.

O interessante é que a estrutura dos corais tende a crescer formando camadas anuais, mais ou menos como o tronco das árvores em certas regiões do mundo, permitindo um registro bastante detalhado do clima do passado.

Veja antes e depois de coral branqueado na costa brasileira

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Corais saudáveis da espécie Millepora alcicornis
Corais branqueados da espécie Millepora alcicornis

Corais da espécie Millepora alcicornis em Tamandaré (PE) em fevereiro de 2024, ainda saudáveis, e no mês seguinte, já branqueados devido ao excesso de calor marinho - Ágatha Naiara Ninow/Projeto PELD-Tams

Foram esses dados que permitiram estimar com elevado grau de precisão que, ao menos nos últimos 407 anos, os eventos de branqueamento de 2016 para cá correspondem aos mais quentes de que se tem notícia.

E uma modelagem estatística, que tentou analisar a situação com e sem a intervenção humana (as emissões de gases causadores do aquecimento global pela queima de combustíveis fósseis), mostrou que somente o impacto da era industrial seria suficiente para causar essa mudança rápida de temperatura.

Os esforços para minimizar esse processo e impedir uma deterioração mais intensa dos corais são essenciais porque esses ambientes estão entre os maiores berçários e refúgios da vida marinha, a qual, por sua vez, alimenta centenas de milhões de pessoas no mundo todo.

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