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No cerrado, mais de 3.000 imóveis estão sobrepostos a unidades de conservação, diz ONG

Serra da Bodoquena, Chapada dos Veadeiros e Parque Nacional de Brasília estão entre as áreas de proteção com mais imóveis superpostos

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São Paulo

Enquanto a Amazônia e o Pantanal queimam, no cerrado, o principal ponto de pressão sobre áreas protegidas são as propriedades privadas, aponta relatório WWF-Brasil. Atualmente, 3.344 propriedades estão sobrepostas a UCs (Unidades de Conservação) de proteção integral, nas quais não são permitidas quaisquer tipos de atividades.

As UCs com maior sobreposição são o Parque Nacional de Brasília e a Estação Ecológica de Uruçuí-Una, com mais de 80% de suas áreas superpostas a propriedades privadas. Dentro do primeiro, são 124 imóveis rurais e, no segundo, 11, de acordo com dados da ONG WWF-Brasil.

A seguir na lista vêm o Refúgio de Vida Silvestre das Veredas do Oeste Baiano (142 imóveis sobrepostos), o Parque Nacional da Serra da Bodoquena (100 imóveis), a Reserva Biológica da Contagem (14 imóveis) e o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (649 imóveis), todos com mais de 60% de suas áreas constando sobreposição com propriedades privadas.

Ao todo, são pouco mais de 11.000 km² —o equivalente a duas vezes a área do Distrito Federal— de propriedades privadas sobrepostas a Unidades de Conservação de proteção integral.

O levantamento, com base em dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural, o sistema de registro de áreas rurais) de 2019, faz parte de um novo relatório inédito do WWF-Brasil que analisou eventos de redução, recategorização e extinção de Unidades de Conservação no cerrado. Tais eventos são conhecidos como PADDD (sigla internacional para Protected Areas Downgrading, Downsizing and Degazettement).

Casas no Núcleo Rural Boa Esperança II, região próxima à Brasília, na saída norte da cidade. Núcleo foi criado em área do Parque Nacional de Brasília e sobreposição foi usada como uma das justificativas para, em 2018, haver uma tentativa de redução dos limites do parque - Pedro Ladeira/Folhapress

Segundo Mariana Napolitano, gerente de ciências do WWF-Brasil, o estudo, pelo menos neste momento, não explicou precisamente o que motiva tamanhas sobreposições.

Mas a especialista afirma que a situação pode ser explicada por três contextos: erros de autodeclaração do CAR; UCs que foram criadas com sobreposição de fato com propriedades privadas, as quais ainda não foram desapropriadas; e processos de especulação imobiliária para tentar conseguir futuramente a posse da terra protegida.

Apesar de ser um indicador de conflito, “não dá pra dizer que tudo seja ilegal, que não era pra estar ali”, diz Napolitano, que reforça que a análise foi focada somente em áreas de proteção integral, que representam somente 3% do bioma —outras tipos de unidades permitem determinadas ações em seus interiores.

Desde a década de 1970, foram afetados 34.529 km² de áreas protegidas no cerrado por propostas de PADDD, quase 23 vezes a área da cidade de São Paulo. Desse total, foram realmente efetivados 23.600 km² em processos de PADDD.

O estudo aponta que a primeira tentativa de PADDD registrada nesse período ocorreu no Parque Nacional do Araguaia, no Tocantins, em 1971, a qual foi efetivada. Desde então, foram 26 tentativas de diminuir as salvaguardas para áreas protegidas, das quais 13 tiveram sucesso.

Napolitano afirma que esse tipo de estudo é importante para dar mais transparência e ter uma visão global das propostas de PADDD. Inclusive, pensando nisso, o WWF-Brasil fez uma ferramenta de monitoramento dos PADDD.

“Não estamos questionando se essas propostas são válidas ou não. A discussão [sobre casos de PADDD] é importante, válida e precisa ser feita, mas o processo precisa ser transparente, participativo, com consulta aos impactados localmente e que se tome decisões embasadas nesses argumentos, técnicos e científicos. E que se pense em mecanismos de compensação”, afirma Napolitano.

A especialista afirma, porém, que não há um rito processual geral e abrangente que permita um nível adequado de transparência.

O estudo do WWF-Brasil também aponta que, muitas vezes no Brasil, os processos de PADDD não dispõem de argumentações técnicas sólidas e são relacionados a interesses individuais ou setoriais.

“Isso também mostra a importância de trabalhar regularização fundiária de Unidades de Conservação. É um grande desafio e não é só ter recurso. A questão fundiária no Brasil não é simples. Precisa de um projeto.”

Além das UCs afetadas por sobreposição com CAR, o estudo da ONG também olhou para outras fontes de impacto possíveis. Levando em conta projetos de rodovias e a proporção afetada da UC, a Chapada dos Guimarães (proteção integral) e outras nove unidades de uso sustentável teriam mais de 50% de suas áreas sob influência de rodovias.

De acordo com o relatório, são quatro as unidades de uso sustentável e uma a de proteção integral (Parque Nacional da Serra da Canastra) mais impactadas por projetos de geração de energia. As porcentagens afetadas são pequenas.

Quanto a linhas de transmissão de energia, os mais impactados são os parques nacionais da Serra da Canastra e Chapada dos Veadeiros, também com pequenas.

Em 2019, o Ministério da Infraestrutura listou áreas protegidas no país que estariam, segundo a pasta, em conflito com projetos de infraestrutura, nas quais, portanto haveria a necessidade de redução.

No cerrado, as Unidades de Conservação que faziam parte da lista eram: Estação Ecológica de Iquê, no Mato Grosso, Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, entre Piauí, Maranhão, Bahia e Tocantins, Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Minas Gerais, Floresta Nacional de Brasília, Parque Nacional de Sete Cidades, no Piauí, e Área de Relevante Interesse Ecológico Capetinga-Taquara, no Distrito Federal.

Cerca de 8% do cerrado é protegido, contra 28% da Amazônia —na qual os eventos de PADDD são mais associados a mineração e infraestrutura, segundo relatório do ano passado do WWF-Brasil—, por exemplo, apesar da elevada biodiversidade do bioma e sua relevância hídrica para o país, aponta o estudo da ONG.

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