Siga a folha

Descrição de chapéu Entrevista da 2ª Amazônia

Países com florestas precisam ser remunerados mesmo com desmatamento zero, diz Marina Silva

Legado do Brasil na COP30 deve incluir novo fundo que premia nações por manter vegetação de pé, afirma ministra do Meio Ambiente

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

A meta de zerar o desmatamento no Brasil até 2030, proposta pelo presidente Lula (PT), é algo que Marina Silva diz enxergar no horizonte. Confiante de que o país dará fim ao corte de vegetação, tanto ilegal quanto legal em todos os biomas, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima tem se adiantado para criar um fundo que premie os países detentores de florestas tropicais preservadas.

Segundo cálculos do governo, o Brasil poderia receber R$ 8 bilhões anuais com o novo mecanismo, batizado de Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF, na sigla em inglês).

A iniciativa é uma das entregas que o país almeja fazer na COP30, conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) que ocorrerá em Belém no final de 2025. O Brasil, diz Marina, também colocará no centro da pauta a transição energética justa, conceito que permeia as brigas entre países ricos e em desenvolvimento no caminho para aposentar os combustíveis fósseis.

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, durante entrevista à Folha, em São Paulo - Folhapress

Enquanto o desmate zero não chega, Marina festeja a queda de 50% nos índices na amazônia. Por outro lado, com cenário de seca aguda, os incêndios na floresta são os maiores em duas décadas. No pantanal, o fogo também bateu recordes, em temporada mais precoce que a de 2020, ano da maior destruição do bioma.

Para melhorar a resposta a eventos extremos como esses, a ministra defende decretar "estado de emergência climática" em 1.942 municípios vulneráveis, segundo levantamento do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).

"É sair da lógica da gestão do desastre, como temos hoje, para a lógica da gestão do risco climático", diz ela, que elaborou o plano após as chuvas que mataram 65 pessoas em São Sebastião (SP), no litoral norte, em 2023, e reforçou a proposta depois da tragédia, também causada por chuvas, no Rio Grande do Sul neste ano.

A ideia é que essas cidades tenham acesso a recursos para fazer obras de adaptação e tomar medidas antecipadas a situações de desastre, para aliviar os danos e os cofres públicos.

"Por exemplo, adquirir e estocar remédios, água potável, [providenciar] hospital de campanha, equipamento de salvamento, treinamento, defesa civil, corpo de bombeiros, tudo isso para, quando o evento se instalar, você já estar preparado", cita.

"No estado do Amazonas, os rios estão secando e, daqui a pouco, a maior parte dos municípios vão ficar isolados, porque é um estado que todo o processo de transporte é fluvial. Uma cesta básica para chegar num município num período normal é de R$ 300 a R$ 400 reais. Para ser levada usando várias modalidades de transporte aéreo, chega a R$ 2.500", exemplifica.

À Folha, Marina também comentou o processo de avaliação de pedido da Petrobras para pesquisar petróleo na bacia Foz do Amazonas, na altura do Amapá, e as expectativas para a nova meta de cortes de emissões de carbono do país.

Como o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre, proposto pelo Brasil, deve funcionar? No que ele se diferencia do Fundo Amazônia?
Tem uma diferença muito interessante em relação ao Fundo Amazônia, que é um pagamento por resultados alcançados por redução de perda de cobertura florestal. Ele é um fundo privado, dentro de um banco público, operacionalizado pelo BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social].

O Florestas Tropicais para Sempre é um fundo global. O Fundo Amazônia é só para a amazônia. No caso, é um fundo para os países detentores de floresta tropical que precisarão de pagamento para manter suas florestas preservadas.

É uma forma de gratificar quem protege. Você sai da lógica de apoiar para parar de destruir, e a gente não tinha um mecanismo para quem protege.

O TFFF vem exatamente para atender uma etapa da ideia de desmatamento zero, porque, enquanto você está fazendo os esforços para parar o desmatamento, você tem REDD+ [mecanismo pelo qual o Fundo Amazônia opera]. E depois, quando a gente zerar o desmatamento? É preciso ter um mecanismo, e que ele seja global para a proteção das florestas tropicais.

Nós apresentamos [a ideia] na COP28, e ela já conta com o apoio dos países do Tratado de Cooperação Amazônica e também de Indonésia, Malásia, República Democrática do Congo e Congo-Brazzaville. Estamos ampliando cada vez mais o debate. Tem ali o embrião de uma espécie de comitê gestor.

A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) em entrevista à Folha, em São Paulo, na última semana - Folhapress

Vários países, não só os detentores de floresta tropical, concordam com a iniciativa e estão considerando ajudar a viabilizar a arquitetura do fundo, como a Noruega e a Alemanha. Estamos dialogando também com outros países, inclusive, o Reino Unido.

Esse fundo parte do princípio de que a proteção das florestas é importante não só para o país que é detentor da floresta, mas que esses ativos ambientais são fundamentais para o equilíbrio do mundo, e os países, desenvolvidos sobretudo, devem ajudar a preservar essas florestas.

Os países seriam beneficiados mediante o compromisso de, pelo menos, 20 anos de manutenção das florestas, e o fundo se compromete a pagar também por, pelo menos, 20 anos, para que você tenha tempo de ir buscando outras alternativas que não sejam converter floresta em outras atividades.

O fundo é uma entrega que o Brasil pretende fazer na COP30? É uma das metas em Belém?
Sim, com certeza. Queremos apresentar uma proposta consensuada de como será a operacionalização do fundo já na COP29 e, em seguida, caminhar para que tudo isso esteja operacional em 2025, para que a gente já esteja em condição de receber os aportes.

Como esse recurso deve ser usado no Brasil?
Quem preserva vai criar as formas de esse recurso ser internalizado para a proteção e a restauração das florestas —restauração para que a floresta consiga recuperar, digamos, a sua funcionalidade ecológica. Isso envolve também olhar para as comunidades e para as áreas públicas que foram degradadas.

Aí você cria uma sinergia adicional. Você recupera uma área, isso sequestra carbono e pode transacionar também os créditos de carbono.

A amazônia tem tido uma baixa no desmatamento, mas uma alta nos incêndios. Estamos no começo de uma temporada muito seca, depois de outra temporada muito seca no ano passado. O pantanal também registra recorde de incêndios. Que sinais esses dados, que parecem contraditórios, apontam?
Temos uma redução de desmatamento de 50% na amazônia. Já nesses seis primeiros meses [de 2024], uma queda de 27% na mata atlântica, o início de uma queda de desmatamento nos últimos quatro meses no cerrado. Não vejo como uma contradição, vejo muito mais como algo que eu não consigo nem imaginar como estaríamos…

Vejo como algo que é de suporte, é essencial, porque nós temos uma situação de extremos climáticos que estão se tornando cada vez mais frequentes e mais intensos, como secas num período longo e chuvas em um período curto, mas altamente avassaladoras, como vimos no Rio Grande do Sul e na própria amazônia.

Imagina se tivéssemos uma situação como essa sem que o desmatamento na amazônia tivesse reduzido, se não tivéssemos todos os esforços que vêm sendo envidados no pantanal. Temos temperaturas altas [no pantanal], ventos que chegam a 70 km/h e, em algumas situações, 12% de umidade relativa do ar. Seria uma situação totalmente avassaladora.

Em relação à amazônia, nesse cenário de fogo e seca, há preocupação com o chamado ponto de não retorno, situação prevista por cientistas que causaria um colapso da floresta?
Essa é uma preocupação constante, por isso o compromisso de desmatamento zero no Brasil até 2030 e todos os esforços que estão sendo feitos.

É uma preocupação dos cientistas, mas também de todos aqueles que sabem o que significa o processo de savanização da amazônia, que levará a efeitos secundários avassaladores. Os cientistas dizem que se ultrapassarmos os 25% [de desmatamento da amazônia], ela pode entrar no processo de savanização.

Já há alguns indícios de que a floresta está perdendo, a cada ano, cada vez mais umidade e que isso pode levar a situações de descontrole em relação aos incêndios.

Processos de degradação da floresta também estão sendo identificados pelo Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], e há que ter uma política não só para combater o desmatamento, mas também a degradação. Há que ter uma política para fazer a restauração.

Todas essas políticas tentam combater a emissão de carbono, mas, por outro lado, o Brasil tem discutido novas fronteiras de petróleo. Em relação ao bloco 59, deve haver nova resposta do Ibama em breve?
Como eu digo e como acontece em um governo republicano: o processo de licenciamento é um processo técnico. Ele não pode nem facilitar nem dificultar. E é assim que nós trabalhamos nos governos do presidente Lula.

Agora, há uma ideia de que se possa fazer uma ingerência política. Quando a licença é dada, é uma decisão técnica. Quando ela é negada, é uma decisão técnica. E a discussão sobre a questão de fazer a transição para o fim do uso de combustível fóssil, essa é uma discussão que não é só do Brasil, ela é do mundo inteiro.

O que ficou discutido nos Emirados Árabes Unidos, na COP28, é que precisamos fazer a transição para o fim do uso do combustível fóssil, triplicar a energia renovável, duplicar a eficiência energética. E esse mapa do caminho, no caso de renovável, é um investimento que hoje é inteiramente viável e a baixo custo.

O que precisa acontecer é: países ricos liderando o caminho para o fim do uso de combustível fóssil e países em desenvolvimento em seguida. É um debate que só fecha a equação se todos entenderem que só vamos resolver o problema da mudança climática com a consciência —não é só a consciência, é com o dado que a ciência mostra— que isso é por uso de carvão, de petróleo, de gás e transformação do uso da terra.

No caso do Brasil, nós fazemos parte desse debate, mas a decisão não é do Ibama, não é do Ministério do Meio Ambiente. Essa é uma decisão estratégica que passa pelo Conselho de Política Energética, do qual nós também fazemos parte.

O debate que se coloca no mundo é que aqueles países que são exploradores de petróleo e suas empresas, e eu advogo isso para Petrobras, não podem ser apenas de exploração de petróleo. Elas têm que ser empresas de produção de energia.

E aí o Brasil tem uma vantagem comparativa enorme. Nós podemos ser grandes produtores de energia solar, de energia do vento, de energia da água, da biomassa e usar essa energia limpa para uma produção robusta de hidrogênio verde.

Nesse sentido de liderar pelo exemplo, ainda mais recebendo a COP30, como o Brasil tem pensado a sua nova NDC [sigla em inglês para "contribuição nacionalmente determinada", compromisso de cada país no Acordo de Paris]? Haverá metas setoriais?
O Brasil era um dos poucos países em desenvolvimento que tinha metas setoriais [na NDC até 2020; no texto apresentado naquele ano, essa característica se perdeu]. A partir de agora, todos os países em desenvolvimento terão metas setoriais também.

Queremos ter metas, obviamente, para indústria, transporte, agricultura, para a parte de desmatamento, todos os setores.

O Brasil está trabalhando para chegarmos [com nova NDC] já na COP29, esperamos, mas não é um processo fácil. Queremos que seja robusta, compatível com a contribuição que o Brasil deve dar para que não ultrapassemos o 1,5°C de temperatura da Terra [além dos níveis pré-industriais]. E também porque queremos liderar pelo exemplo, para que os demais países tragam NDCs igualmente robustas.


RAIO-X

Marina Silva, 66
É ministra do Meio Ambiente pela segunda vez —antes ocupou o cargo de 2003 a 2008. Foi senadora de 1995 a 2011 e se candidatou à Presidência da República em três campanhas (2010, 2014 e 2018). Na última eleição, foi eleita deputada federal de São Paulo pela Rede, partido que fundou em 2013. Formada em história pela Universidade Federal do Acre, foi líder sindical ao lado do seringueiro Chico Mendes (1944-1988).

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas