Siga a folha

'A gente queria ter chegado lá', diz brasileiro em missão de Israel que tentou pouso na Lua

Engenheiro aeroespacial paulista participou da equipe da nave israelense Beresheet, que falhou na alunissagem

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Tel Aviv

O engenheiro aeroespacial Sérgio Levi, 58, não deixou a frustração desanimá-lo. Nascido em São Paulo e morando em Israel há quatro décadas, Levi trabalha há dois anos na equipe de dinâmica de pouso da SpaceIL, a startup israelense que tinha como objetivo levar uma espaçonave não tripulada à Lua. A missão, porém, falhou na última hora. A poucas dezenas de metros do satélite, o motor da espaçonave falhou e ela se espatifou em solo lunar.

“Senti frustração. A gente queria ter chegado, ser o quarto do mundo [a pousar na Lua], mas às vezes é melhor saber que essas coisas não são fáceis”, diz Levi.

O engenheiro aeroespacial Sérgio Levi, 58, que nasceu em São Paulo e mora em Israel há quatro décadas; Levi na SpaceIL, a startup israelense que tinha como objetivo levar uma espaçonave não tripulada à Lua - Arquivo pessoal

A equipe de Levi determinou quando o motor da Beresheet (gênesis, em hebraico) —um módulo com apenas 180 kg que custou US$ 100 milhões (R$ 380 milhões) em verba de doações— deveria ser acionado para realizar as manobras necessárias para fazer espaçonave ser capturada pela órbita da Lua e “alunissar” (pousar na Lua). Sua equipe funcionou com pouquíssimos contratempos. Para ele, os objetivos da missão foram alcançados, apesar de tudo.

Por que a Beresheet não conseguiu pousar como deveria na Lua? O que deu errado?

Ainda vai haver uma investigação, mas parece que foi algo ligado ao sistema IMU (Inertial Measurement Unit), necessário para o controle da espaçonave. Houve uma falha, que acabou gerando problemas no computador da nave e ordenando o desligamento do motor principal. E nessa fase da alunissagem é proibido desligar o motor. Poucos segundos depois que o motor se desligou, já não dava mais para brecar a espaçonave e ela acabou não realizando o pouso suave como tinha sido planejado.

Não deu para identificar essa falha do IMU a tempo?

Não. Uma vez que faltou comunicação com a espaçonave por causa de um problema de comunicação, não deu para determinar em questão de segundos o que estava acontecendo e mandar uma ordem para uma possível correção. 

A navegação, da qual o senhor participou, deu problema?

Não, mas foi bem desafiadora. Era um assunto no qual eu tinha uma certa experiência, mas nunca tinha ido tão longe assim, à Lua. Calculamos a órbita da espaçonave para saber qual é o apogeu, a altura máxima e outros dados. Encomendamos equipamento de uma empresa sueca para fazer essas medidas, mas elas estavam chegando com muita interferência. Mas, felizmente, com tempo, a situação melhorou. Quando chegamos à órbita da Lua, tínhamos uma precisão excelente, de 100 metros de altura.

Não dá para esconder a frustração do pouse desastrado, certo? As pessoas choraram?

Não, não vi ninguém chorando. Mas eu mesmo senti frustração... A gente queria ter chegado lá, ter sido o quarto país do mundo [a pousar na Lua], mas tudo bem. Às vezes é melhor saber que a gente está avançando, que essas coisas não são fáceis. Os soviéticos, que foram os primeiros a pousar na Lua com sondas não tripuladas, não conseguiram de primeira. Ninguém conseguiu. Não há dúvida de que há frustração, mas estamos recebendo apoio. Todos dizem: "valeu, vamos para a próxima". Então já estou saindo rápido dessa frustração e contente de ter realizado uma espécie de acrobacia espacial: levar a nave, através de manobras realizadas por minha equipe, de forma perfeita para chegar exatamente ao lugar do pouso na altura certa, com a precisão correta. 

A missão foi um fracasso, ao seu ver?

Infelizmente o pouso não deu certo, não deu. Mas a missão foi um sucesso pelo fato de que chegamos em condições de pouso. É como cumprir 95% da missão.

O que foi alcançado?

Esse projeto tinha um objetivo científico. Um pesquisador do Instituto Weizmann, na cidade de Rehovot, o doutor Oded Aharonson, queria obter medidas do campo magnético perto da superfície da Lua. E conseguiu. Ele reuniu a nossa equipe de engenheiros logo depois de sabermos que a alunissagem não foi realizada até o fim e disse: saibam que eu vi os dados de telemetria do campo magnético na descida e foi a primeira vez que esse campo foi registrado tão próximo ao solo. Teve outras vitórias também.

Quais?

A educacional, por exemplo. A ideia central era despertar na juventude o interesse para estudar, para se dedicar ao estudo de física, de matemática. Assim como houve o “efeito Apollo” nos EUA, aqui temos o “efeito Beresheet”. As pessoas falam na rua sobre isso. Tive várias oportunidades de dar palestras sobre esse projeto para crianças, jovens e idosos. E o objetivo, talvez o principal para a ciência, foi a cooperação entre uma startup, a SpaceIL, e o governo através da Indústria Aeronáutica de Israel. Esse tipo de modelo pode ajudar a levar adiante pesquisas nesse campo.

Será que o Brasil poderia também se voltar para esse tipo de missão?

O Brasil tem um programa espacial muito bonito. Tive a oportunidade de visitar o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e conversar com pesquisadores. Fiquei bem impressionado. Seria interessante se houvesse algum tipo de colaboração com o Brasil em um projeto futuro.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas