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Antonia é escritora e roteirista. Manoela é assistente especial do Programa para a América Latina da Open Society Foundations. Feministas, editam o blog #AgoraÉQueSãoElas.

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Marielle e o futuro dos feminismos

A disputa pelos espaços de poder é o front decisivo dos feminismos hoje

Mulheres dão as mãos durante ato após assassinato na vereadora Marielle Franco no Rio - Leo Correa - 20.mar.18/ Associated Press

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Marielle Franco disse: “o que a gente precisa é que as legisladoras, que as mulheres, estejam no espaço de poder e façam leis, a partir também das suas vivências. Se tem o dado apresentando que nós estamos mais vulneráveis, precisa ter uma incidência de uma política pública qualificada, que proteja as mulheres.”

Hoje, Marielle não legisla mais. Hoje faz dois meses que a vereadora foi vítima de uma execução política. Até agora não sabemos ao certo quem matou Marielle e Anderson, nem quem os mandou matar. O que sabemos é: os 13 tiros disparados contra a única vereadora negra do Rio de Janeiro escancaram o grave problema da quase insignificante presença de mulheres na política. E pautam o futuro do feminismo no Brasil.

Somos 52% da população e apenas 10% da representação parlamentar. Somos tão mal representadas por que a política não é lugar de mulher?

Desde a Grécia antiga o espaço público pertence aos homens e, às mulheres, pessoas escravizadas e crianças, cabe o espaço doméstico. Na pólis grega “uma mulher que falasse em público, não era, por definição, uma mulher” —era uma aberração—, escreve a feminista inglesa Mary Beard no recém-lançado “Mulheres e Poder: um manifesto”. 

Da Grécia antiga aos dias atuais o poder se conservou com a mesma aparência: branco, masculino, rico. Até hoje uma mulher no poder é uma ameaça. Porque a mulher capaz de atravessar todas as barreiras impostas a ela —conquistar dentro do partido o direito a ser candidata; obter financiamento; fazer campanha; ser votada; ser eleita— detém uma força inabalável. E para o poder se conservar tal como ele é, é preciso aniquilar esta força.

Somos 52% da população e apenas 10% da representação parlamentar. Estamos, portanto, na base da pirâmide do poder. E, não é coincidência, ocupamos o topo de outra pirâmide, bem menos confortável: a da violência.

Desfazer esta equação perversa é tarefa dos feminismos. Os feminismos historicamente conquistaram inúmeros direitos para todas as mulheres. Têm conseguido incidir decisivamente nos comportamentos. E graças a estes avanços é que podemos mirar os espaços de tomada de decisão, os espaços do poder. Sabendo que: “não se pode, com facilidade, inserir mulheres numa estrutura que já está codificada como masculina; é preciso mudar a estrutura. Isso significa pensar no poder de outra maneira”, escreve Beard. 

Construir um novo espaço público, onde ser mulher e ocupar o poder não faça de nós uma ameaça, quiçá um alvo, é urgente. Organizar mulheres em todas as casas legislativas numa bancada suprapartidária pautada por uma mínima agenda comum. Construir espaços de trocas e acolhimento. Desfazer a sensação de que candidatar-se é um salto no abismo. Criar um movimento coletivo de ocupação da política. Qualificar o eleitorado. Mostrar que não basta votar em mulher, mas em mulheres que defendam uma agenda de direito para mulheres. Estes são trabalhos que temos pela frente.

Os feminismos contemporâneos e o legado das feministas que nos precederam correm risco se não estivermos à altura do desafio de disputar o poder. Devorado pela lógica dos mercados, o empoderamento tornou-se artigo de luxo para vender campanhas publicitárias, e nesta mesma medida, há feministas que se acomodam. Este empoderamento, ao cabo, desempodera. A disputa pelos espaços de poder é o front decisivo dos feminismos hoje. Ou ocupamos o poder, como fez Marielle, ou morremos com ela.

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