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Antonia é escritora e roteirista. Manoela é assistente especial do Programa para a América Latina da Open Society Foundations. Feministas, editam o blog #AgoraÉQueSãoElas.

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Toda mulher é sempre muitas mulheres. Tem sempre muitas outras com ela

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Semana passada, escutamos consternadas o relato de uma pessoa querida. A gente vai chamá-la de Sonia. Militante de esquerda, ela foi presa nos anos 1970. Foi torturada. Esteve nos porões do Dops, nas mãos da Oban e ficou encarcerada no infame Presídio Tiradentes. Passou um bom tempo na ala feminina do presídio. Seu marido foi também preso, também torturado e também confinado. Residiu na ala masculina do mesmo Tiradentes.

Na cadeia, Sonia conheceu uma menina. Uma companheira cativa. Chamaremos de Raquel. Assustadas, machucadas e habitando um ambiente absurdamente hostil, as duas não sabiam quando sairiam daquele lugar. Nem sequer se um dia voltariam para casa. Submersas nessa insegurança, se aproximaram. Viraram amigas. 

Uns meses depois da chegada de Raquel ao Tiradentes, Sonia percebeu que a menina estava agoniada. Bem jovem, Raquel tinha um namoradinho. E tinha quase certeza de que estava grávida do moço. Um menino igualmente jovem. Sonia frisou: muito agoniada.  

Fizemos mil suposições. Imaginamos que a agonia de Raquel vinha do medo de dar à luz no cárcere. De o namoradinho não esperar por ela. Dele também estar preso, sofrendo o que ela estava sofrendo. Quem sabe, até pior. Como será experimentar tamanha vulnerabilidade e incerteza?

Sonia seguiu contando. Disse que, num determinado momento, ela e Raquel entenderam que era imprescindível fazer um exame para confirmar a gravidez. Sonia foi então à administração do presídio e requisitou um exame de urina. Para ela. Levou o material para a sua cela. Lá, Raquel esperava ansiosa. Coletou o material necessário. Sonia voltou à administração do Tiradentes e o submeteu em seu nome.

Estranhamos. Por que o exame com os nomes trocados? Por que não testar o material de Raquel, de fato receosa e precisando saber do resultado?

Sonia explicou comovida: Raquel era formalmente solteira. Era o que constava na ficha dela. Estado civil: solteira. Quando mulheres com esse status exibiam comportamento interpretado pelas autoridades como promíscuo, voltavam às salas de tortura (ou para onde fosse confortável para seus algozes aproveitarem melhor suas vítimas). 

O desfecho dessa história não é importante. O fato de as duas mulheres serem militantes de esquerda presas e cruelmente torturadas em razão de sua militância também não é determinante para o que nos interessa dizer. Hoje queremos falar de sororidade, essa palavra que designa o vínculo entre mulheres. Um vínculo recheado de empatia, companheirismo, cumplicidade, afeto. O vínculo que nos faz resistentes, resilientes. O combustível das redes de apoio e acolhimento que as mulheres constroem sempre, em todo canto e a todo tempo. 

Toda mulher é sempre muitas mulheres. Tem sempre muitas outras com ela. Por ela. E tem mais. Os homens no poder insistem em diminuir nossa luta por direitos e dizer que nossa aptidão para a construção de redes é um dado da natureza. Seríamos naturalmente mais gregárias. Mentira. Fomos obrigadas as desenvolver estratégias de sobrevivência rizomáticas que não nos deixassem à mercê de um Estado que não nos ampara adequadamente.

Não é à toa que as feministas, quando marcham, sempre cantam: companheira me ajuda/que não posso andar só/eu sozinha ando bem/mas com você ando melhor. 

Ontem, Dia das Mães, esperamos que vocês tenham celebrando suas mães. Mas torcemos para tenham reconhecido e festejado igualmente todas as muitas outras mulheres em torno delas. A rede que fez e faz a maternidade e a maternagem delas possíveis.

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