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Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

O vento está mudando?

Imagina que louco criar filhos num mundo que está melhorando?

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Se não me engano, a derrota do Trump é o primeiro carinho que a realidade nos faz desde 2013. Foram sete anos de penúria, como no Egito, sem ao menos um José para soprar no ouvido do faraó: “Se liga, Farazêra, vai dar ruim! Essas passeatas aí por vinte centavos vão terminar com skinheads na Paulista, banheiro químico arremessado às chamas no meio da Avenida Tiradentes e famílias ‘de bem’ com husky siberiano vestindo camisa do Neymar fazendo selfie diante de blindado do Choque.

Depois virá o desastre econômico do segundo governo Dilma, o 7 x 1 pra Alemanha, o golpe travestido de impeachment —com voto dedicado a torturador— mais pindaíba econômica, Mariana, Brumadinho, o fundo do poço na eleição do Trump e o ralo no alçapão das profundezas do poço com a eleição do Bolsonaro. Tá bom, Faralíssimo? Não? Quer mais? Então toma: Amon-Rá vai pegar todos esses ingredientes nefastos e gratinará sob uma espessa camada de pandemia. 2020 será o ano do escondidinho —em casa”. Foi tanto tiro, porrada e bomba que, quando o Pentágono divulgou imagens do que acredita ser um disco voador, ninguém deu a menor bola.

Até que o Trump perdeu. No discurso da vitória do Joe Biden, ouvindo-o falar sobre o respeito a negros, gays e trans, tomei um susto. Será que o mundo está finalmente despiorando? Será que um dia, num futuro próximo, ele pode até, quem sabe, assim, digamos, melhorar? Imagina que louco criar filhos num mundo que está melhorando? Um mundo caminhando para ser menos desigual, menos preconceituoso e capaz de parar com a emissão dos gases do efeito estufa? Imagina?

Pois tem um pessoal aí que está imaginando. Na quinta-feira, a página de quadrinhos da Folha, sempre ácida e combativa, parecia ter tomado Rivotril. Na segunda tira, do Caco Galhardo, uma mulher deitada na praia recebia uma lufada de vento com os dizeres “um sopro de esperança”. Mais abaixo, Adão Iturrusgarai desenhou uma águia-Tio-Sam levando Bolsonaro pra longe. E, na última tira, Estela May fez uma moça sentada na Lua, sob a frase: “De repente me sinto novinha em folha”. (Não sei se tem alguma ironia aí, pelo fato de a Estela ter apenas 20 anos e publicar na Folha, mas preferi ler na chave Fênix: a esperança ressuscitando).

Após a divulgação dos resultados, nos Estados Unidos, o comentarista da CNN, Van Jones, chorou. Disse que durante os últimos anos não foi apenas o George Floyd, sufocado por um policial, quem não conseguia respirar. Concordo. No Brasil, também, o ar esteve pesado, quente e úmido como o de um desses dias insanos do verão carioca. Ser racista, machista, homofóbico, ogro, passou a ser visto como ser “sincerão”, “zoeiro”, “iconoclasta”. Ou, na palavra mais mal usada da década, “polêmico”. A burrice e a ignorância tornaram-se um valor. Mau-caratismo passou a ser vendido como sagacidade. Será que o vento está mudando?

Cabe a nós mudá-lo. Hoje o Brasil vai às urnas. Quem sabe não conseguimos, com nossas escolhas, avançar um pouco rumo a um país mais igualitário, menos violento, racista, machista, homofóbico? Seria lindo ver Câmaras Municipais mais diversas, arejadas, além de assistir aos candidatos representantes da boçalidade ficando fora do segundo turno.

Quero muito poder acordar na segunda-feira repetindo as palavras do Van Jones, na CNN: “É mais fácil ser um pai, nesta manhã. É mais fácil dizer aos seus filhos que caráter é importante. Que falar a verdade é importante. Que ser uma boa pessoa é importante”.

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