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Ilegítima defesa da desonra

Nos 17 anos da Lei Maria da Penha, ainda precisamos falar sobre isso

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Em 1983, Maria da Penha, cearense, farmacêutica, levou um tiro de espingarda disparado pelo marido. Escapou da morte, ficou paraplégica. Sofreu uma nova tentativa de assassinato pelo marido, que tentou eletrocutá-la. Mas foi ele que levou o choque: com muita coragem, Maria da Penha rompeu a rotina de agressões e denunciou o marido.

Enfrentou outros desafios, fora de casa, como incredulidade e falta de amparo da Justiça. Hoje, 7 de agosto, a Lei 11.340, que leva o seu nome, completa 17 anos. Será que temos o que comemorar?

Na última terça-feira (1º), o STF derrubou a tese de legitima defesa da honra como argumento de defesa pelos agressores e assassinos de mulheres, legado de uma época em que a honra (do homem) estava acima da vida (da mulher).

STF muda iluminação da fachada para o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres - Felipe Sampaio 23.nov.22/STF

Matavam, coitados, porque eram tomados por uma forte emoção, eram compelidos pelas mulheres a praticar o crime. Agrediam, coitados, porque as esposas, vagabundas, agiam com autonomia de vontade. Com a decisão do STF, promotores, juízes e autoridades policiais não podem mais se valer da tese da honra para absolver ou atenuar a pena dos criminosos. Decisão histórica. Século 21. Será que temos o que comemorar?

É assustador o número de crimes contra as mulheres no Brasil. Uma mulher é morta a cada seis horas, uma mulher é estuprada a cada sete minutos. E é espantoso que a mais alta corte do país, em tempos de turismo espacial e inteligência artificial, ainda tenha que decidir sobre a validade de um artifício jurídico tão obsoleto quanto a legítima defesa da honra.

Quando se trata dos direitos das mulheres, o presente se confunde com o passado. A inércia e o atraso dos legisladores em banir disposições discriminatórias, enraizadas há séculos no nosso direito penal, colaborou para a perpetuação de conceitos que mais lembram o Brasil Colônia. Muitos preceitos que já não constam mais do nosso Código Penal, vindos de uma sociedade patriarcal que tinha como pressuposto a soberania masculina, ainda nos assombram e se escondem em um canto da nossa cabeça.

O fantasma da "mulher honesta". A imoralidade da mulher "deflorada" —que não era flor que se cheire, segundo a própria lei. A "pureza" da mulher estuprada, que era recuperada através do casamento do agressor com a vítima.

São conceitos que ressurgem no nosso inconsciente coletivo, mesmo após a supressão dessas expressões da lei. Até 2009, a tipificação dos crimes contra a dignidade sexual tinha uma conotação duvidosa, ao estarem dispostos sob o título "Dos crimes contra os "costumes"" [aspas nas aspas propositais]. Se alguma coisa nisso tudo faz sentido, é que "costumes" demoram muito para mudar.

Apesar da oficialização do fim da legítima defesa da honra, os autores de crimes contra a mulher usam a "ilegítima defesa da desonra" para se defender. Vasculham a vida da vítima, expõem sua intimidade e fazem de tudo para aniquilar sua reputação, até inverter a posição da vítima como culpada pelo crime que sofreu.

Sinal de que ainda precisamos falar sobre isso.

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