Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich

Mulheres malcomportadas

A mulher introduziu o mistério e a malícia, colocou mais camadas entre o corpo e a alma

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Sem costela nenhum homem se sustenta. Não foi por acaso que foi da costela do primeiro homem que surgiu a mulher. Mas Adão penou, teve que esperar um pouco para conhecer a sua metade. Como nada acontece por acaso, a demora foi deliberada: para que o homem experimentasse a sua própria singularidade e incompletude.

E surge Eva, que mal chegou e já chegou transgredindo. Foi atrás da única coisa proibida entre as infinitas benesses do Jardim paradisíaco. Depois induziu o homem que, coitado, foi levado a cometer junto o pecado original. Foi aí, por culpa —ou graças à mulher— que começou a confusão entre o bem e o mal.

Ativistas dos direitos das mulheres fazem protesto contra a Cultura do Estupro no Brasil e contra a ex-ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), por conta da posição da ministra em relação ao aborto da menina de 10 anos que engravidou após ser estuprada pelo tio. Em frente ao STF, em Brasília (DF) - Pedro Ladeira - 20.ago.20/Folhapress

Eva, ao mesmo tempo que deu à luz toda a humanidade, tirou a clareza inconteste da vida. Trouxe mais complexidade ao mundo: porque a sua própria natureza já veio complexa. Tornou mais longo e árduo o caminho em busca de sentido, mas ao mesmo tempo, nos deu o mérito da procura pela nossa verdade. Introduziu o mistério e a malícia, colocou mais camadas entre o corpo e a alma. Corrompeu a linha reta, borrou o preto e o branco. Trouxe a vergonha da nudez, para que essa vergonha fosse antes conquistada para ser despida. Apresentou ao mundo a desobediência e a subversão. Eva, que reúne a essência de todas as mulheres, tirou, enfim, o mundo do tédio.

E vieram depois outras mulheres, também rebeldes, que fazem a diferença. Entre elas, Eleanor Roosevelt, que disse: "mulheres bem-comportadas raramente fazem história".

Rosa Parks não cedeu seu assento no ônibus para um branco e rompeu a lei de segregação racial dos transportes públicos. Malala peitou os talibãs e garantiu mais educação a mulheres e crianças. Golda Meir deu um banho nos líderes e ensinou que para ter pulso firme não precisa de músculos. Maria da Penha usou suas dores para gritar pelas dores de todas as mulheres. Anne Frank abriu seu esconderijo secreto e escreveu ao mundo os horrores da perseguição. Leila Diniz exibiu a barriga mais linda do mundo. De Ella a Elis, vieram as melhores vozes. De Dona Canô, os nossos maravilhosos baianos. Emily Brontë teve que se chamar Ellis Bell para ser lida. Jane Austen deixou a louça suja na cozinha para escrever seus livros. Clarice é pura liberdade e a mais perfeita desordem em palavras. Chimamanda nos alertou dos perigos da história única.

Se tivéssemos uma história única, ainda estaríamos sufocadas pelo espartilho, não teríamos o direito de estudar, votar, trabalhar, gozar, se divorciar, jogar futebol.

Eva nos deixou a dor no parto. Tem dores que só mulheres conseguem suportar. Tem outras que elas jamais deveriam sentir. Feliz semana da Mulher.

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