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Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Descrição de chapéu

Nem o sorvete escapou da fria destes tempos de polarização de tudo

Com o picolé em pauta, a disputa entre uma picoleteria goiana e uma sorveteria amazônica começou uma guerra

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Dizem que certas escolhas são muito difíceis. Em política, discordo. Já sei faz tempo em quem não voto nas eleições. Agora, se o que estiver em pauta for picolé, danou-se.

Prova disso é a guerra fria que foi declarada no meu bairro. Isolamento, sabe como é. Essa tentativa de manter lucidez e home office, enquanto o filho é alfabetizado online.

Bate vontade de doce, misturada à tensão. É aí que o destino põe uma picoleteria goiana e uma sorveteria amazônica a menos de um quarteirão de distância uma da outra. Fazendo delivery.

Começamos por Goiás. De 15 em 15 dias, um isopor chegava tal como um alento aqui em casa. Eram picolés de frutas do cerrado que não conhecíamos: araticum, baru, taperebá. O hábito disfarçava a rotina, apaziguava o coração. Até que o inimigo contra-atacou.

Ao saber da inauguração da outra sorveteria, agi feito tia do Zap resistente a argumentações. “É o gosto irresistível da Amazônia”, dizia o site. Será? Fui checar o cardápio. O centrão estava todo lá, formado por sabores que você acha em qualquer padaria e não são grande coisa sozinhos, mas em bloco fazem número: coco, limão, uva, mais do mesmo.

“Viu que tem de bacuri?” Pronto, raiou um novo tempo. Surgia uma oposição digna, composta também por uxi, bacaba e tucumã. Enfim a democracia, essa delícia.

Só que nem todo mundo lida bem com pluralidade. Não tardou a polarização: qual sorveteria era melhor? Avaliações ganharam viés ideológico. “Meu buriti jamais será vermelho.” “Açaí acima de tudo, tapioca por cima de todos.”

Parti, então, para doutrinações de paz. Mandei picolés dos dois tipos para amigos e parentes. Nas redes sociais, conclamei desconhecidos a entrar nessa gelada. As hashtags #seriguela e #murici viralizaram, perdendo só para #pequi_roído. A cagaita virou dancinha do TikTok. Crianças buscavam as frutas no Google a fim de aprender qual era qual. E a emoção quando meu próprio filho tirou um picolé do freezer e soube ler na embalagem: “umbu”.

Ou seja: picolés fomentaram educação e bem-estar social. A economia não parou. Nunca na história deste país —ou do meu bairro— se viu alinhamento político tão perfeito. O empate possível.

E mais: a popularidade do picolé de pequi, à moda do intragável presidente, caiu. Que assim continue, rumo a 2022.

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