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Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Balzac vivia uma rotina insana até mesmo para workaholics de hoje

Quando não passava dias inteiros em claro, jantava às cinco da tarde, dormia às seis, acordava meia-noite e desandava a escrever

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Saltando pela estação de metrô Passy, seria bem fácil não reparar naquela casinha. Até porque eu tinha poucos dias e uma lista do que era considerado prioridade: torre Eiffel, arco do Triunfo, Notre Dame e outros clássicos, num ritmo estressante até para férias.

Abaixo do nível da rua, engolida pelos prédios de Paris, porém alheia à correria moderna, a Maison de Balzac tinha um portão convidativo demais até para avoados. Como se Honoré em pessoa, apressado e fanfarrão, nos mandasse dar uma chegadinha.

Meu objetivo era, sim, uma visita-relâmpago —até que notei a cafeteirinha. Fazia parte da coleção de itens do autor francês, com a cadeira e a mesa onde escreveu a monumental "A Comédia Humana". Um apanhado de "trocentos" volumes, milhares de personagens e muito, muito café nas ideias.

Feita de porcelana Limoges, miúda e dotada das iniciais "H. B.", parecia um objeto inocente, resguardado por singela vitrine.

Contudo, levando-se em conta os feitos que operava, percebi tratar-se de uma implacável máquina de trabalhar.

Balzac não foi um gênio tranquilo. Cheio de dívidas e deadlines a cumprir, vivia uma rotina insana até mesmo para workaholics contemporâneos. Quando não passava dias inteiros em claro, jantava às cinco da tarde, dormia às seis, acordava meia-noite e desandava a escrever até a hora de comer de novo, numa velocidade que estudiosos calculam ter sido de 30 palavras por minuto —e isso, minha gente, usando tinta e pena.

O café lhe servia de combustível, 50 xícaras por dia. Quando precisava de reforço criativo, comia pó puro. Segundo ele, "um método brutal, só recomendável a homens com mãozonas quadradas e pernas de pinos de boliche".

Graças a seu amável algoz líquido, "as ideias marchavam feito batalhões, as memórias erguiam bandeiras altíssimas e a cavalaria das metáforas se desdobrava num galope magnífico". Que nem ele aguentou. Aos 51 anos, o escritor pifou.

Parada diante da cafeteirinha, eu, já mulher com mais de 30, só conseguia pensar nas minhas próprias madrugadas de trabalho, ao lado de colegas igualmente abatidos.

Encarando plantões na velocidade de garrafas térmicas que desapareciam. Personagens de uma "Comédia Humana" paralela e menos notável: os bebedores tensos de café.

Exausta só dessa constatação, fui esticar as pernas pelo jardim da casa. Ali, calma e paradoxalmente, os demais visitantes conversavam e liam o próprio Balzac, sem pressa. Sem estresse. Tomando um cafezinho.

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