Siga a folha

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Descrição de chapéu Todas

A anatomia do estabaco é a desordem e o progresso de um simples hematoma

Cair é um ato de extrema humildade perante a falsa imponência do mundo, que estamos acostumados a lidar

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Conheço todos os estágios dessa policromia dolorosa. A começar pelo vermelho arroxeado, meio azul caneta, que depois passa ao verde e ao amarelo perfeitos para a bandeira dos que tombam fácil. Desordem e progresso de um hematoma, que por fim desaparece: a anatomia de um estabaco.

Ilustraão de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 19 de fevereiro de 2024 - Folhapress

Sim, sou o tipo de pessoa que vive trupicando por aí. Altona o bastante para o desengonçamento típico dos que tentam seguir a lei da gravidade à risca, nem sempre conseguindo. Cotovelos e joelhos impactados, enquanto a cabeça retém uma crosta de feridas e memórias chamadas de "infância".

Quando desmerecem minha aptidão para tropeçar até em obstáculos que a vida não impõe, dizendo "todo mundo em algum momento cai em si", conto que despenquei do berço ao nascer. Tivesse mantido a configuração craniana original de fábrica, estaria ganhando um Nobel de Física? Vencendo computadores no xadrez? Ora, nem haicai sei fazer.

Historicamente falando, deixar cair sempre esteve em voga. Antes da gíria e do disco do Simonal, dom Pedro 2° praticava nosso esporte com a —falta de— perícia necessária.

Andando com dois metros de altura, o grandalhudo regente teria escorregado num passeio pelo santuário do Caraça, em Minas Gerais, em 1881. Até hoje, uma inscrição em pedra relembra o "escataplof" imperial.

Houve ainda o maior dos spoilers à queda do regime. No baile da ilha Fiscal, Pedro 2° teria ido de novo ao chão, dessa vez cunhando a frase "o monarca escorregou, mas a monarquia não caiu". Dias depois, a coroa caiu pela República.

Estabacar-se é ato de extrema humildade perante a falsa imponência do mundo. Já estraguei dates e reuniões de trabalho memoráveis, quando o esperado de mim era vir glamorosa, em slow motion, de cabelos esvoaçantes —não catando cavaco numa pedrinha portuguesa solta na calçada.

Recentemente, desafiei o baricentro do corpo e calcei salto alto, o que me projetou de forma espetacular num piso úmido. Fui acudida por transeuntes, que só faltaram me aplaudir. "Nossa, você caiu tão bem!"

Assim nasce uma modalidade que não é exclusiva dos dublês: tombar lindamente.

Sem qualquer dano, voltei para casa pensando. Ultimamente, poucas coisas e pessoas foram capazes de me machucar. Será que aprendi a cair? Amadureci feito jaca sábia no pé? Ou é o Merthiolate que arde menos? O chão é o limite.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas