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Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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O brega que habita minha samambaia saúda o cafona do teu ímã de geladeira

Em louvor ao que já me habita, decidi botar açúcar não só no café, mas em todos os meus 'bons gostos'

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Era uma gente bonita, com opiniões envelhecidas nos mais requintados barris de carvalho. De repente, por entre fofocas classudas e ironias blasés que arrancam risos encobertos por guardanapos de linho, alguém arremata um raciocínio, sentenciando: "Pois é, seria incrível mesmo, pena que é brega". Ao que retruquei sem filtro e noção do perigo, com a inocência incauta dos espontâneos. "Jura? E qual o problema?".

Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 15 de julho de 2024 - Folhapress

Num entortar tenso de pescocinhos, uma onda de desprezo riscou o ar e espatifou não os cristais da sala, mas corujas e porta-retratos num raio de trocentas casas de tia-avó. A fina agulha da sofisticação alheia pronta para furar meus olhos, como se obrigada a crochetar uma capinha de liquidificador.

Sinceramente, não sei o que se passa pelo coração desses insensíveis. Aliás, tem coisa mais demodê que "coração"? Experimenta viver sem. Ou fazer letra de música. Chico Buarque mesmo: jamais se furtou de inseri-lo em rimas ricas, sobretudo quando o coração era suburbano. Espaço tão mais cordial para anões de jardim e azulejos de santo, samambaias e pisos de caquinho. O resto? Deixa no Pinterest.

Dou um pinguim de geladeira para não entrar numa briga, mas uma coleção inteira de ímãs de viagem para não sair dela. Portanto, em louvor ao brega que já me habita, decidi botar açúcar não só no café, mas em todos os meus "bons gostos". Ampliando ainda mais minha cafonoteca, a saber...

Não terei nada com "pegada industrial". Não serei "básica". Em repúdio, usarei unhão, prenderei cabelo com piranha e calçarei chinelo com meia. Falarei "vai com Deus", sim, independentemente da minha fé. Vibrarei sempre que alguém "ganhar neném". Serei madrinha de crisma de seres humanos, mas também dindinha de cachorros. Comprarei pano de prato que é calendário. E ai de quem me impedir de beber água em copo de requeijão.

Seguirei não chamando famosos pelo primeiro nome —ou pelo diminutivinho. Comerei menos macarons, mais bolinhos de chuva. Harmonizarei champanhe com mosaico de gelatina. E às vezes, emocionalmente, serei eu a gelatina. Daí cantarei hits de rádio AM no chuveiro. Pisarei em mais jacas. Chorarei em reprises, deixando logo depois escapar a palavra "berruga" num papo sério.

Na fila do pão da minha vida, poderei até não concordar com a capa de plástico do seu sofá, mas lutarei até o fim pelo seu direito de fazer uma tatuagem do Romero Britto. Serei polêmica. Serei maldita. Serei uó. "Hype", jamais. Eu, hein. Sai pra lá, descolado. Teu "cool".

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