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Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Um chorinho a mais de vida

Impacto com ônibus por pouco não botou um ponto final na minha existência; meu carro virou bolinha de papel amassado

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Essa história começa no impacto que por pouco não botou um ponto final na minha existência. Transformado em bolinha de papel amassado, meu carro. E eu ali, vendo tudo de fora. Completamente desconcentrada da seriedade exigida por uma experiência de quase morte.

A esta altura do texto, talvez eu devesse ultrapassar pequenos pudores, caçando cliques sobre o caos urbano. E não contando que enxerguei certa poesia ao ser abalroada por um ônibus na esquina da rua do Bandolim. Onde Jacob —o do instrumento, autor de "Doce de Coco", presente na playlist que tocava durante o pancadão— se reunia com demais baluartes do chorinho.

Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 9 de setembro de 2024 - Folhapress

"Que bom, então, que não se machucou. Aceita uma aguinha?", perguntou a gentil fiscal do ponto. A aguinha, no caso, servida em copo de conserva de milho, daqueles ainda com rótulo colado. "Só não repara, tá? Lavei direitinho." Juro: eu tento a todo custo ser cínica, mas não adianta. Foi a água mais gostosa que já entornei.

De prancheta em punho, o moço do reboque indagou quem teve culpa. "O motorista do ônibus saltou calmo? Foi gentil com a senhora? Então a culpa era dele!" Daí riu, colhendo rubricas para a papelada do seguro. "Fica tudo de autógrafo! Seu dia de estrela de ‘Velozes e Furiosos’."

A caminho do destino original, um breve pavor me cruzou a mente, capotando minhas mais laicas certezas existenciais. "E se eu... morri? Pior: será que eu morri e tô indo trabalhar?". "Que é isso, madame???", retrucou o taxista ao me ouvir pensando alto. "Serão assim é pior que danação eterna." Realmente: hora-extra no Além ninguém merece.

Sim, eu poderia ter empacotado de vez, mas por sorte ganhei um tempo extra nessa bandeira 2. "Um chorinho a mais de vida", refleti, relembrando a rua do Bandolim. O Jacob do Bandolim. A água em copo de milho. O autógrafo. E esse bom-humor crônico —tão meu, quanto alheio— que faz a gente sempre seguir em frente, porém tomando mais cuidado nas curvas.

Quando os créditos finais do programa que faço subiram e a adrenalina baixou, fui abraçada carinhosamente pelos colegas de trabalho. Aos prantos, me senti mais no ar e na pista do que nunca. "Affffe, você tá chorando ou tá rindo?" Os dois. Sempre os dois.

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