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É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

Por que o futebol deve parar ou se isolar

Brasil tem taxas de infecção em atletas muito mais altas do que outros países, compatíveis com as dos profissionais de saúde da linha de frente

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11 de março: diante do recrudescimento catastrófico da pandemia no Brasil, o governo de São Paulo decidiu pela suspensão de torneios de futebol no estado. 23 de março: logo ali, em Volta Redonda, onde os decretos paulistas não têm efeito, jogariam Corinthians e Mirassol, dando sequência ao Paulistão.

Do imbróglio, resta a pergunta: é seguro manter o futebol aberto?

Eis alguns dados que podem nos iluminar.

Em parceria com o comitê médico da Federação Paulista de Futebol e o Núcleo de Alto Rendimento Esportivo, analisamos a base de dados de testes de PCR para o coronavírus Sars-CoV-2, realizados ao longo de oito torneios da temporada 2020: Campeonato Paulista, Taça Paulista, Sub-23, Sub-20, e Campeonato Paulista e Sub-17 Femininos.

Foram aplicados quase 30 mil testes em 4.269 atletas e 2.231 em "staff" ( profissionais da saúde, comissão técnica, dirigentes, roupeiros etc.).

Os números de atletas e do "staff" infectados foram de 501 e 161, respectivamente. Jogadores apresentaram maiores chances de serem infectados do que o pessoal de apoio. Contudo, os casos de Covid-19 moderada a grave foram maiores entre o "staff" (5) versus os atletas (1).

A incidência de infecção nos atletas aproximou-se de 12%. Vejamos como se comparam esses dados com outros do mundo.

Na liga dinamarquesa de futebol, 748 atletas foram testados, para quatro testes positivos (0,5%). Antes da retomada da alemã Bundesliga, oito foram infectados entre 1079 (0,7%); nenhum durante a temporada.

Durante a temporada do Catar, um país com risco moderado de transmissão comunitária, 24 atletas receberam testes positivos, entre 549 (4%). Esses números significam que, comparados aos outros, nossos jogadores se infectaram até 24 vezes mais"

Taxas de infecção em atletas tão altas quanto as verificadas por aqui não encontram comparativo no esporte mundial, mas são compatíveis com as de outro grupo: profissionais de saúde da linha de frente, cuja incidência de infecção situa-se entre 10% a 24%. O que explica a grandeza dos nossos números?

Ao contrário do que se imaginava, novas evidências sugerem baixas chances de infecção durante a prática de esportes de contato. É mais provável que jogadores se infectem por conta de uma agitada vida social, viagens e, sobretudo, do descaso com as medidas de prevenção não-farmacológicas —uso de máscara, distanciamento e higiene.

Embora não sejam super-heróis, como já discutido nesta coluna, atletas geralmente apresentam quadros leves de Covid-19. Esse pode não ser o caso do "staff", grupo heterogêneo que inclui pessoas com risco para agravamento.

Ademais, atletas são potenciais vetores de transmissão. Como o rastreio de contactantes foi uma política que inexistiu no Brasil, não podemos estimar o impacto das infecções secundárias provocadas pelos jogadores em seus domicílios ou círculos sociais.

A abertura do futebol requer, antes de tudo, a mitigação da transmissão comunitária. Sem isso, o risco de contágio entre jogadores e "staff" é elevadíssimo, e o espalhamento comunitário do vírus, inevitável.

O protocolo de segurança da Federação Paulista de Futebol é tecnicamente adequado. Implementado na Bundesliga, seria útil. Contudo, num país que se permitiu atingir um estágio de descontrole epidêmico, não parece haver protocolo que dê conta de garantir o funcionamento do esporte em condições mínimas de segurança. A única alternativa segura seria isolar o futebol da comunidade. Nos Estados Unidos, a chamada “bolha da NBA” provou-se 100% eficaz em prevenir infecções, ao custo de US$ 170 milhões. A incapacidade de se pensar a pandemia coletivamente cobra caro.

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