Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano
Descrição de chapéu Coronavírus

Vitamina D e Covid-19: um novo capítulo

Tratamento com alta dose de vitamina D não traz benefícios a pacientes hospitalizados com Covid-19 em estágios mais avançados

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A vitamina D está sob holofotes desde que passou a compor a lista do chamado “tratamento precoce” —uma espécie de QAnon versão pandêmica.

Contudo, ao contrário de cloroquina e afins, que já foram estudados e descartados pela ciência, a vitamina D ainda se ancora num emaranhado de evidências indiretas, que, ao menos, justificam novas investigações.

A vitamina D –cuja principal fonte é a exposição solar– tem propriedades antimicrobiana e anti-inflamatória.

Alguns estudos observacionais demonstram uma correlação entre menores níveis sanguíneos de vitamina D e maior gravidade da Covid-19. Porém, esse tipo de pesquisa não permite estabelecer causalidade.

É possível imaginar, por exemplo, que pessoas com maiores níveis de vitamina D tenham uma alimentação mais saudável, exercitem-se mais ou sofram menos com obesidade. Esses fatores protegem contra quadros mais graves da doença, e nem sempre são controlados em estudos de associação.

Já no ensaio clínico controlado, participantes são sorteados para receberem a intervenção ativa ou outra inerte (placebo). Formam-se, assim, dois grupos com características similares que podem ser comparados ao longo do tempo, pois diferem unicamente quanto à exposição ou não ao tratamento experimental.

Podemos considerar que o ápice do rigor num ensaio clínico é o procedimento de vendamento, pelo qual se garante que nem pesquisadores, nem voluntários saberão se a intervenção recebida é a ativa ou o placebo –informação revelada apenas ao término do estudo. Isso evita que as expectativas de um e de outro interfiram nos achados.

Peço desculpas ao leitor por gastar algumas linhas que nos desviam do assunto central, mas creio que o melhor entendimento do método científico nos permita compreender porque existem tantos resultados de pesquisa divergentes, em particular na pandemia, quando, por vezes, o modelo de estudo mais adequado não se faz viável.

De volta ao tema, um novo capítulo da saga da vitamina D foi escrito a partir de um estudo realizado pela Universidade de São Paulo.

De modo a evitar as armadilhas dos estudos observacionais, planejamos um ensaio controlado –com todos os cuidados metodológicos descritos acima– para testar a eficácia da suplementação de vitamina D em 240 pacientes hospitalizados com Covid-19 moderada e grave.

Ao serem admitidos no hospital –cerca de 10 dias após apresentarem os primeiros sintomas – os pacientes receberam uma única e alta dose de vitamina D (200 mil unidades) ou uma solução placebo (óleo de amendoim).

A suplementação foi capaz de elevar os níveis circulantes de vitamina D, corrigindo deficiências observadas antes da internação.

Ilustração Líbero para coluna Drauzio Varella
Tratamento com alta dose de vitamina D não traz benefícios a pacientes hospitalizados com Covid-19 em estágios mais avançados - Líbero

Entretanto, o tratamento não foi capaz de abreviar o tempo de hospitalização, que girou em torno de sete dias em ambos os grupos. Também não foram observados benefícios na taxa de mortalidade, necessidade de intubação ou de internação em UTI.

À luz dos achados, concluímos que o tratamento com alta dose de vitamina D não traz benefícios a pacientes hospitalizados com Covid-19 em estágios mais avançados.

Mas continuamos sem saber se o uso profilático dessa vitamina –ou seja, antes da infecção– seria eficaz.

A comprovação dessa hipótese dependeria da execução de um estudo que demonstrasse, numa população não exposta previamente à Covid-19, a superioridade da suplementação de vitamina D vs. placebo na prevenção de infecções ou casos graves da doença.

É só o que falta à vitamina D e aos outros ditos tratamentos precoces: evidência científica.

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