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Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

Política dos EUA é parecida com Game of Thrones

Ao atrair ex-adversários, Trump prefere se cercar de um traiçoeiro ninho de cobras porque entende de serpentes

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The New York Times

Donald Trump se cercou de pessoas que mudam de forma ideológica —ex-democratas e ex-anti-Trump dispostos a professar uma lealdade bajuladora a ele. Não seria errado pensar que isso resulta em um ambiente traiçoeiro. Mas Trump prefere esse tipo de ninho de cobras porque ele entende as serpentes.

O The New York Times informou que Trump planeja nomear Tulsi Gabbard e Robert F. Kennedy Jr., que o apoiaram recentemente, como copresidentes honorários de sua equipe de transição presidencial. Gabbard e Kennedy buscaram a indicação democrata para presidente —Gabbard em 2020 e Kennedy neste ciclo eleitoral antes de iniciar uma candidatura independente.

Mas esses dois são apenas os mais recentes oponentes que Trump trouxe para sua órbita. Muitos dos adversários de Trump nas primárias republicanas de 2016 e 2024 se tornaram bajuladores, alguns deles o apoiando na Convenção Nacional Republicana de julho. Alguns de seus críticos mais veementes no Congresso se tornaram seus confidentes, como o senador Lindsey Graham, que certa vez chamou Trump de "fanático religioso e xenofóbico".

Ex-presidente e candidato republicano à Presidência dos EUA, Donald Trump, fecha os olhos durante painel da Associação Nacional de Jornalistas Negros, em Chicago - Vincent Alban - 31.jul.24/Reuters

Até mesmo seu próprio companheiro de chapa, o senador JD Vance, escreveu certa vez que o ex-presidente "é heroína cultural" e, a portas fechadas, chamou-o de "o Hitler dos Estados Unidos".

Trump abraça pessoas que engolirão suas palavras e enterrarão suas crenças. Ele parece gostar que as pessoas demonstrem que suas convicções são vazias. Para ele, parece óbvio que essas são pessoas que ele pode tentar manipular. São essas as pessoas que ele prefere, em vez daquelas que lhe dizem não.

Trump é, acima de tudo, um homem de trocas e, em todas as transações, ele busca vantagem; quando um oponente se curva diante dele, ele tem a vantagem de que precisa.

Uma série de ex-funcionários do governo Trump o condenou ou se recusou a endossá-lo, mas ele e seus apoiadores os descartam como vira-casacas. De certa forma, eles têm razão: Trump não mudou. Eles sabiam —ou deveriam saber— quem ele era quando aceitaram seus cargos.

Muitos americanos talvez não compreendam plenamente como a política de Washington é parecida com Game of Thrones, como o poder político pode ser inebriante e como a proximidade com esse poder ordena a sociedade.

Acredito que parte da genialidade de Trump não foi realmente genial, mas simplesmente a clareza de um forasteiro que avaliou e depois explorou a covardia de grande parte de nossa cultura política.

Ele entendeu essa disputa social por experiência própria: Trump é de Nova York, onde cresceu à margem da alta sociedade porque era muito grosseiro para ser convidado a entrar nela. Sua ascensão foi impulsionada, entre outras coisas, por um programa de televisão de sucesso, uma variedade de aparições em filmes e na televisão, uma série de livros escritos em conjunto e o fato de ser elogiado em letras de rap.

Em sua carreira política, Trump transformou o Partido Republicano —e grande parte de Washington— em seu jogo da vida real de "O Aprendiz", com várias figuras fazendo alianças convenientes, tentando desesperadamente evitar a eliminação e todas competindo por sua aprovação.

Washington, para Trump, é um jogo de sobrevivência e, nele, comprometer-se é um preço pequeno a pagar pela sobrevivência. No final, não há vítimas nesse jogo. Todos os peões jogam por vontade própria. Eles abandonam sua moral e ética por vontade própria. Eles viram a calamidade que Trump trouxe para a vida de outras pessoas que passaram para o lado dele, mas seguem o exemplo.

Em uma entrevista na Fox News, Kennedy disse: "Acho que o presidente Trump vai fazer uma série de anúncios sobre outros democratas que estão se juntando à sua campanha e, sabe, eu quero tornar os Estados Unidos saudáveis novamente, assim como o presidente Trump".

Ex-presidente e candidato republicano à Presidência dos EUA, Donald Trump, durante evento de campanha na Carolina do Norte - Peter Zay - 21.ago.24/AFP

Agora, Kennedy solta muita fumaça, mas a ideia de que Trump tornaria os Estados Unidos saudáveis novamente é demais para aceitar. Quando se trata de saúde literal, ele não conseguiu levar a sério a pandemia de Covid-19 como presidente e fez o possível para revogar o Affordable Care Act [lei federal, conhecida como Obamacare, que busca possibilitar atendimento médico financeiramente acessível a todos os americanos].

Metaforicamente, ele ameaça remodelar o governo como o conhecemos —algo que Kennedy pareceu reconhecer em 2020, quando disse que, em muitos aspectos, Trump "desacreditou o experimento americano de autogovernança". O mesmo aconteceu com Gabbard, que certa vez o chamou de corrupto e e de "não qualificado para servir".

Mas eles não se importam com as contradições óbvias. Eles estão jogando o jogo. Trump queria a fração de apoio que Kennedy obteve este ano e a aprovação de uma ex-congressista democrata. Em troca, ele lhes concederá um papel marginal e um pouco de poder por associação. A menos e até que ele tire isso.

Washington, de acordo com algumas medidas, é a cidade mais importante do país. Em outras, é a mais superficial. Trump expôs muitos dos jogadores da cidade como desertores e construiu seu Partido Republicano com essas pessoas no centro.

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