Siga a folha

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

Não podemos transformar nossos ressentimentos em armas

O que vivemos hoje é terrível e deixará cicatrizes, mas vai passar

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Ao acompanhar, nesta semana, os eventos associados à Independência, lembrei-me de um livro recente de Jonathan Sacks, “Morality”, com o subtítulo, em tradução livre, “restaurando o bem comum em tempos de fragmentação”. Na obra, o respeitado intelectual e líder religioso já morto reclama de certa terceirização da moralidade ao mercado ou ao Estado, o que teria nos eximido de pensar sobre as responsabilidades que temos em relação ao coletivo, em especial aos mais vulneráveis.

Quando o individualismo precisa se perceber como a medida de tudo, geralmente ao se sentir ressentido pelo que percebe ser uma injustiça que lhe teria sido cometida, ele se torna uma arma giratória a atacar o inimigo errado, geralmente o “outro”, o estrangeiro, o judeu, o negro, o homossexual. Em suma, aquele que tem um sucesso que deveria ser meu ou de meus próximos.

Nesse sentido, buscam líderes que, nas palavras de André Nascimento Pontes, professor de lógica da Universidade Federal do Amazonas, “amplifiquem seus próprios preconceitos”. Assim, o Brasil, imerso hoje numa imensa crise causada pela Covid-19, profundamente mal gerida, estaria em tal estado devido a um pretenso comunismo, à destruição da família ou a uma corrupção endêmica que só é errada quando praticada pelo “outro”.

Um termo em voga antes da República, o de “homens de bem”, aqueles aptos a votar por terem a renda exigida para tanto, ressurge em tempos recentes como os que se incluem no “nós” que temos direito a uma cidadania plena, contra os “outros” que dela deveriam ser excluídos. Vale a pena lembrar que quando Hitler falava em povo alemão, ele não se referia aos judeus, ciganos ou homossexuais, mesmo que vivessem aí por muitas gerações. Estes não eram “de bem”.

Jonathan Sacks não considerava que a solução para esses males residisse apenas num apelo à moralidade, afinal, políticas públicas de qualidade têm importante papel em assegurar mais justiça, desenvolvimento e equidade. Mas julgava que caberia, a cada um de nós, um esforço pessoal de maior empatia em relação aos que sofrem, de construção de uma comunidade que não se defina em oposição aos outros. Em suma, que deveríamos vencer nossos preconceitos e não transformar ressentimentos em armas —nos dois sentidos do termo.

O que vivemos hoje é terrível, mas vai passar. Deixará profundas cicatrizes, que, espero, não acarretarão mais ressentimentos e ódios que aumentem ainda mais a profunda polarização que vivemos. Aliás, os populismos se alimentam justamente de fragmentações. Como a de um “eu” que se opõe a “nós” e a de um “nós” que exclui o “outro”, o inimigo a ser trucidado.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas