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Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Descrição de chapéu Venezuela

Quando o palácio do governo da Venezuela era um relaxo

Agora, Miraflores é ocupado por um ditador ridículo e letal

O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, exibe um exemplar da Constituição Bolivariana - Andrea Romero - 10.jan.2019/Xinhua

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Esse Nicolás Maduro é de fato um ditador único no mundo. É o único que recebe orientações de um passarinho que incorporou seu mentor Hugo Chávez. É o único que diz ter visitado o futuro e visto que ele será róseo para ele. E, agora, acaba de se tornar o primeiro ditador a reter por algum tempo um jornalista não na casa da vítima, na rua ou em algum outro lugar público, mas em pleno Palácio de Miraflores, a sede do governo.

Refiro-me, como é óbvio, à detenção de Jorge Ramos, o âncora da Univisión, a grande cadeia de TV para o público hispânico, baseada em Miami. Conheço bem Jorge Ramos: recebemos juntos o prêmio Maria Moors Cabot em 2001, concedido pela Columbia University.

Conosco estavam também a chilena Monica González, de primoroso trabalho contra a ditadura de Augusto Pinochet, e Sebastian Rotella, então no Washington Post.

O crime pelo qual Ramos foi retido: fazer perguntas inconvenientes, que são o que todo jornalista deve fazer. Aliás, alguém já disse que não há perguntas inconvenientes; as respostas é que podem ser (para os entrevistados, claro).

O jornalista Jorge Ramos, âncora da TV Univisión, em entrevista após ser liberado - Carlos Garcia Rawlins - 25.fev.2019/Reuters

O incidente mostra, se ainda fosse preciso, que a ditadura venezuelana perdeu completamente o mais elementar sentido comum, descolou-se completamente da realidade. Se aceitou ser entrevistado por Jorge Ramos, Maduro tinha a obrigação de saber que seria duramente questionado sobre a tragédia venezuelana, pela qual é o principal responsável.

Ou achou que seria uma entrevista para a Telesur, a cadeia de jornalismo chapa branca, financiada pelo governo?

Dá até saudades do tempo em que Miraflores ainda era relaxado. Uma vez, em 2002, Hugo Chávez agendou para as 22 horas uma entrevista comigo e com um jornalista do jornal "O Estado de S.Paulo', no palácio do governo.

Acabou nos atendendo já passada a meia-noite. Ameaçou dar-me um exemplar da Constituição Bolivariana, aquele pequenino que Maduro vira e mexe exibe em suas aparições públicas. Recusei avisando que ele próprio já me contemplara com duas delas, em encontros anteriores.

Na saída, o ajudante de ordens foi nos conduzindo até a saída. Passamos por uma porta, que o ajudante abria com um controle eletrônico. Outra porta, mais uma, mais uma —e sempre a mesma cena: o ajudante de ordens abrindo-a com o controle.

Na sexta ou sétima porta, o rapaz (do Exército) não resistiu e disse: “Não parece aquele filme, o Agente 86?”. De fato, na comédia, as portas vão se abrindo da mesma maneira até que o agente 86 acaba caindo no elevador.

É trágico que, 17 anos depois, os militares venezuelanos fechem todas as portas, em vez de abrir, fuzilem civis e ajudem um ditador ridículo a matar de fome os venezuelanos. Reter um jornalista é o de menos, claro, mas não deixa de ser eloquente: quando um ditador teme até perguntas, acaba sendo a confissão explícita de um monumental fracasso.

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