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Cristiane Gercina é mãe de Luiza e Laura. Apaixonada pelas filhas e por literatura, é jornalista de economia na Folha

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Embora única, a maternidade é experiência coletiva

A sociedade quer nos fazer entender que só nós somos responsáveis pelos filhos; a verdade é que isso tem nos adoecido

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São Paulo

A maternidade é algo único para quem a vive. Somos tomadas por sentimentos que nunca havíamos experimentado antes. São medos, angústias e culpas novas; novas situações, novas descobertas e um amor inexplicável.

Toda essa experiência personalizada pode nos fazer crer que ser mãe é algo íntimo e pessoal, ligado unicamente a vivências e escolhas nossas, sejam elas boas ou más, que fazem ser feliz ou sucumbir.

A verdade é que, em sociedade, nada é puramente pessoal. Embora sejamos responsáveis por nossas escolhas, toda experiência perpassa por questões de grupo. E na maternidade isso é ainda mais forte.

Ilustração do livro "Single Mothering": "Eu posso ser uma boa mãe", diz a legenda de um dos quadrinhos da finlandesa Anna Harmälä - Reprodução/"Single Mothering"

No discurso social, o filho é da mãe, mas o corpo materno é coletivo. Tentam determinar nossos rumos. O que vestir, comer, como se comportar e como criar um outro ser. Querem nos fazer acreditar que o filho é unicamente responsabilidade das mães. E esse individualismo nos faz adoecer coletivamente.

A maternidade para mim é a experiência mais coletiva da existência, e política também. Cada respiro de minhas filhas e cada escolha diária fazem parte de decisões minhas, mas que me foram apresentadas e, de certa forma, direcionadas pela sociedade.

Do ponto de vista psíquico, a forma como absorvermos nossas experiências é nossa, mas ela sempre perpassa pelo coletivo, e com a maternidade não poderia ser diferente. Por isso, para algumas, ser mãe é ainda mais difícil, sofrível e massacrante.

Somos uma sociedade que permite o abandono paterno e condena uma mulher que escolhe não ser mãe. Somos uma sociedade que aceita lugares livres de crianças com naturalidade, mas que briga para que nossos pets tenham espaço e direitos —e, sim, animais merecem respeito.

Somos uma sociedade que imputa à mulher os cuidados com filho, casa e relações. Colocamos as mulheres como responsáveis pela vida, da concepção à morte. Mulheres cuidam do companheiro, dos filhos advindos de relacionamentos com homens-bebês, cuidam de seus pais e, em alguns casos, dos pais do parceiro —ou da parceira.

Mulheres cuidam de irmãos, dos vizinhos, da comunidade, do serviço voluntário e umas das outras, em um ciclo imposto por uma lógica social de que nós temos o tino para o cuidado. Em um movimento social que faz parecer ser esse um caminho escolhido de forma individual, num contrato que, ao contrário de qualquer outro, não pode ser desfeito.

Essa experiência coletiva de maternidade —que a sociedade nos faz entender individual— é o que vem nos adoecendo.

Mulheres dedicam duas vezes mais tempo do que os homens aos serviços domésticos, são provedoras do lar na maioria dos domicílios brasileiros, encaram a maternidade solo com alta frequência, estão mais endividadas e adoecidas. Ganham menos e vivem mais, o que reflete em uma aposentadoria pior.

Se forem pretas, pardas e periféricas, a qualidade de vida diminui à medida que as meninas crescem. As chances de conseguir emprego são inversamente proporcionais ao número de filhos, e o acolhimento social é quase nulo, levando à uma solidão brutal.

Nossos filhos são sempre nossos, mas os corpos são de todos. Enquanto não compreendermos que esses pensamentos e atitudes coletivas é o que têm nos moldado individualmente, vamos continar adoecendo.

Enquanto acharmos que as dores da maternidade são tão somente pessoais, causadas por nós, por escolhas, fatalidades ou "dedo podre", continuaremos morrendo de forma solitária.

Eu me recuso a sucumbir.

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