O trabalho silencioso das mulheres que cuidam foi tema da redação do Enem neste ano. Falar sobre as diversas funções invisíveis de todas nós, especialmente das mães, tem sido revolucionário, mas não resolve a questão.
O fim do ano chegou e eu, que era uma mãe cansada, estou exausta. E não sou a única. A sensação na minha casa e nas de outras mães é a mesma, especialmente quando também trabalham fora: se não montarmos a árvore, não comprarmos os presentes e não organizarmos a ceia, não há Natal.
Sinto que 2023 passou por cima de mim como um caminhão, atropelando-me. A pauta econômica caminha, o que provoca uma sensação melhor na sociedade —pesquisa Datafolha mostra o aumento do percentual dos que se orgulham de ser brasileiros—, mas também traz demandas.
Passamos três anos sob uma pandemia. Vivemos momentos políticos tensos. Iniciamos o ano de 2023 com ataques às instituições que representam os três Poderes —Judiciário, Executivo e Legislativo— e, ao superar tudo isso, o que não foi vivido veio à tona.
As comemorações presenciais voltaram, o trabalho presencial voltou, a escola cheia de atividades e eventos também. Que bom que é assim, mas isso amplia o trabalho invisível das mulheres que cuidam.
Diminuí demandas, já sabendo que o final do ano traria ainda mais obrigações, organizando a minha agenda para que o essencial não deixe de ser feito. Mesmo assim, a lista de tarefas necessárias para o bem-estar das filhas é grande.
O resultado é uma mãe exausta, mesmo abrindo mão de muitas das imposições da sociedade. E, com isso, vêm as críticas.
Mandona, mal-humorada, chata, reclamona, má amiga, histérica, estressada são apenas alguns dos poucos adjetivos que já ouvi neste final de ano, seja em uma conversa franca olho no olho, seja em cochichos de "amigas" ao me levantar das mesas de bares.
Os péssimos adjetivos são o estigma da mulher cansada, que só piora quando se é mãe. Que se amplifica quando se tem mais de um filho, que toma proporções inimagináveis se essa criança for pequena, estiver doente ou tiver alguma deficiência.
Ninguém quer ouvir a mãe cansada, ninguém quer dar descanso à mãe cansada, ninguém quer dar a mão, nem discutir o peso da carga. Poucos estão ao lado, seja nos dias bons e nos dias nem tão bons assim.
Mas temos o Enem, os filhos, alguns poucos parceiros e parceiras de vida por quem vale sorrir, celebrar e seguir. Na minha lista de demandas, há algumas das quais não abro mão: escrever esta coluna é uma delas, mesmo que seja com dois dias de atraso. Feliz Natal!
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