Colo de Mãe

Cristiane Gercina é mãe de Luiza e Laura. Apaixonada pelas filhas e por literatura, é jornalista de economia na Folha

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Colo de Mãe
Descrição de chapéu Família Todas maternidade

A maternidade é, muitas vezes, o maior lugar de preconceito vivido por mulheres brancas

Para além do machismo, preconceito contra mães choca quem nunca se sentiu invisível

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São Paulo

"Parece que sou invisível", queixou-se uma mulher grávida no metrô de São Paulo a uma amiga ao seu lado. A reclamação estava ligada ao fato de que não haviam lhe cedido lugar no assento preferencial, e ela precisou informar ao passageiro que estava gestante, sendo atendida prontamente.

A grávida —uma mulher branca— talvez não havia conseguido sentar no local destinado a ela por ter uma barriga discreta, não por maldade de quem ocupava o assento. A queixa, no entanto, era válida. E não estava ligada apenas ao fato de não terem lhe cedido o lugar específico.

Segundo ela, a invisibilidade passou a fazer parte do seu dia a dia depois de contar a todos que gerava um bebê. Embora tivesse recebido muitas felicitações, descobriu que não havia direitos a mulheres grávidas garantidos por lei, a não ser, naquele momento, o atendimento e o assento preferenciais.

Mulher negra grávida
Mulher negra grávida - DCStudio/Freepik

O relato seguia. Ela contava que decidiu priorizar a carreira e adiou a maternidade, o que lhe rendeu reconhecimento e um posto de comando no atual emprego. Com alto grau de instrução e tendo morado fora do país por um bom período, conseguiu vencer o machismo e se tornou referência na sua área profissional dentro e fora da empresa.

No entanto, após a gravidez, à medida que sua barriga crescia, o desprestígio também. Não era mais convidada para eventos, não tinha mais os parceiros homens de bate-papo em bares nos happy hours divertidos e, na empresa, sua opinião não era mais solicitada.

Muitas vezes, o que ela tinha a dizer era desconsiderado e, em vez de trabalhar menos, passou a ser mais demandada em um momento que precisava descansar e curtir um pouco seu dia a dia com o bebê que crescia.

O desabafo dessa grávida me fez refletir sobre o quanto mulheres pretas e pardas são invisíveis muito cedo por conta de sua cor, mesmo sem estar grávidas, e o quanto isso aumenta com a maternidade.

Se morar em locais considerados de pior localização, o preconceito se acentua. Some-se a isso o machismo e suas opiniões nunca são consideradas e pouco valerão. Não haverá amigos homens, conversas divertidas em bar, eventos de relacionamento e as chances de reconhecimento profissional serão remotas.

Mulher negra, quando engravida pode passar de invisível a inexistente aos olhos da sociedade capitalista.

A barriga, por maior que seja, jamais será notada quando o assunto for excesso de trabalho. Mas, ao se tratar de uma promoção ou de ser consultada como referência em algo, poderá ser o primeiro empecilho.

Mulheres negras sofrem, na maternidade, triplo preconceito. Enfrentam racismo, machismo e a trava profissional que considera gravidez e filho como um atestado de incapacidade.

Quem nasce preta ou parda neste país já sabe que os espaços conquistados por mulheres brancas não serão seus —ou serão com muita dificuldade. Para além das cotas raciais nos concursos públicos e no ensino superior, a mulher negra tem bem pouco espaço na sociedade, especialmente no mercado de trabalho.

Quando se torna mãe, passa a ser ainda mais invisível do que já era. Acostumada à luta, segue lutando, se embrenhando, resistindo.

À mulher branca não se reserva esse espaço de invisibilidade. Ela é vista, ouvida, considerada, conseguindo superar, muitas vezes, o machismo. Mas, talvez quando decida se tornar mãe, ela sinta o incômodo, a dor e a decepção de não ser respeitada, não ser vista, ser invisibilizada.

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