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Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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O ministro sem qualidades

André Mendonça vai construindo novo subtipo de estilo antijudicial no STF

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Cristãos estão irritados com André Mendonça. Não quaisquer cristãos, mas os intérpretes de uma Bíblia paralela, adeptos de um cristianismo sem Cristo, cheio de grito, ódio e permutas lucrativas, livres de imposto, com o demônio.

Silas Malafaia está "terrivelmente decepcionado" com o ministro que "se rende ao ditador da toga e envergonha o povo evangélico". O "ditador, cretino e desgraçado!" foi para Alexandre de Moraes.

Bolsonaristas estão furiosos com André Mendonça. Seu voto de condenação de Daniel Silveira foi considerado por Carla Zambelli uma "vergonha". Janaína Paschoal tuitou "Amados, eu não sou hipócrita!" Eduardo Bolsonaro viu um Silveira "perseguido e mesmo assassinado com requintes de tortura".

Ministro André Mendonça durante sessão no STF - Rosinei Coutinho/SCO/STF

Magno Malta se disse "terrivelmente representado" pelo voto de Kassio Nunes. Na jurisprudência da liberdade de expressão de Nunes, professor que o critica é criminoso (calúnia, injúria e difamação), punível com prisão. Deputado que ameaça ministros de morte é bravateiro e fanfarrão no exercício da liberdade, premiável com eleição.

O ministro "terrivelmente evangélico" correu para se explicar. Sentiu "dever de esclarecer que: como cristão, não creio que tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam violência; como jurista, a avalizar graves ameaças físicas contra quem quer que seja."

Esqueceu-se que, como ministro, sua identidade cristã não importa. Ao menos na liturgia pública. Como não importou a tantos ministros cristãos. Como jurista, em respeito ao tribunal, e não só a sua reputação e credibilidade, deveria saber que só presta contas à esfera pública e democrática.

E mais uma dica, entre parênteses: não pega bem, ministro, continuar a utilizar sua identidade de AGU no Twitter, mesmo que a vocação de AGU não tenha saído do corpo de vossa excelência. Parece um detalhe menor. Chama-se decoro e compostura.

No exercício dessa vocação, Mendonça, que aceitou calado a honrosa credencial de "nossos 10% lá", e calado ficou quando o presidente prometeu "almoçar com ele toda semana", foi se explicar também a Bolsonaro, a quem um dia chamou de "profeta". E Bolsonaro veio em sua defesa: "é um homem que está ao lado do Brasil".

Há muitas formas de encarnar, no STF, um ministro sem qualidades. Esse ministro opta por não ser juiz clássico (também conhecido como "juiz"), discreto, que conhece e pratica os compromissos intelectuais, morais e performativos que a instituição demanda, que entende a importância de ser e de também parecer imparcial.

O ministro sem qualidades normaliza hábitos antijudiciais (muitos ilegais). Esse "juiz operador" tem subtipos, com graus diferentes de gravidade. Tem o populista, que invoca o "sentimento social" e a "voz das ruas" para justificar conclusões. Tem o amigo de milico, que se deixa seduzir por medalhas ao mérito concedidas por instituição cujos méritos históricos não se conseguiu descobrir. Os deméritos estão até em áudios de tribunal militar.

Outro muito em evidência é o juiz negociador, membro do centrão magistocrático, que vende a corte mas não perde a oportunidade de buscar o "diálogo" e a "harmonia entre os poderes". Não se esqueça do juiz patrimonialista e nepotista (que nomeia filha ao tribunal, pede patrocínio para sua empresa, articula nomeações judiciais, vira credor de favores etc.), e do juiz correligionário, que organiza e participa de congraçamentos partidários.

Não faltam ministros sem qualidades no STF, mas André Mendonça inventou o subtipo dessa nova era: o juiz sectário, que presta contas a eleitorado, que se engolfa na lógica cristomiliciana do pacto de sangue e fidelidade canina. Não é um ministro que, como outros, professa uma religião. Coloca-se como representante de uma igreja e dos interesses econômicos e políticos de pastores e seus desígnios pouco "divinos". Inédito e aberrante.

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