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Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Labaredas no Pantanal e na Amazônia indicam ação criminosa e coordenada em larga escala

O crime compensa quando o governo simula não vê-lo

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O fogo devasta as florestas do oeste dos EUA e, em outro hemisfério e outras latitudes, extensas áreas da Amazônia e do Pantanal. As mudanças climáticas aproximam os incêndios deles dos nossos. Mas são fogos diferentes. Aqui, as labaredas indicam ação criminosa, coordenada em larga escala.

Nos EUA, Trump revela uma vez mais sua aversão à ciência quando nega o papel decisivo das mudanças climáticas. Contudo, tem razão ao mencionar o diagnóstico de técnicos florestais que acusam o ambientalismo fundamentalista pelo agravamento da crise.

Florestas temperadas de clima subúmido exigem permanente manejo para evitar o adensamento excessivo da vegetação. Nas últimas décadas, porém, sob pressão de grupos preservacionistas extremados, reduziu-se tanto a exploração madeireira sustentável como a boa prática de incêndios controlados.

Na sua vastidão, os incêndios florestais nos EUA relacionam-se primariamente com o aquecimento global, mas é difícil negar a contribuição do acúmulo de matéria orgânica, viva e morta, nos estratos inferiores.

Os sistemas ecológicos tropicais da Amazônia e do Pantanal funcionam de forma diversa. O fogo é um componente deles, durante as estações secas, mas o intrincado tecido de superfícies líquidas opera como fator limitante.

Normalmente, focos amplos de incêndio acabam contidos pelos rios, furos, igarapés, corixos e lagoas de vazante. Incêndios tão extensos como os que estão em curso só podem ser explicados por ações humanas persistentes e deliberadas.

O aquecimento global está na base dos incêndios, mas há fogos e fogos. Queimadas comuns para a limpeza de pastos não se confundem com as labaredas ateadas depois da derrubada criminosa de áreas de reserva legal com a finalidade de substituí-las por pastagens. O segundo fenômeno origina inúmeros dos incêndios amazônicos e pantaneiros. É que o crime compensa, quando o governo simula não vê-lo.

Desta vez, entretanto, a escala do desastre solicita um crime maior. Nos sistemas ecológicos do trópico úmido, incêndios que saltam incontáveis barreiras líquidas só podem nascer de fogos ateados simultaneamente ao longo de arcos de centenas de quilômetros.

Imagens de satélite indicam uma origem coordenada desses incêndios. A PF dispõe de meios para chegar aos organizadores de um crime ambiental aterrador. O obstáculo não é técnico, mas político: os criminosos agem à sombra do poder.

O Ministério do Meio Ambiente é parte do problema, não da solução. Seu titular, Ricardo Salles, não é um fanfarrão ideológico, um adorador de mestres místicos, um Weintraub qualquer, mas um operador profissional que serve aos interesses da devastação ambiental. Sua missão oficiosa consiste em desmontar os aparatos de fiscalização do Ibama e do ICMBio.

Restaria a esperança na ação dos militares, sob o comando de Hamilton Mourão. O vice-presidente fala, para alguns públicos, na proteção da floresta e ensaia a formação de uma “força tática da Amazônia”. Mas vale a pena apostar na figura que, em parceria com Salles, postou o célebre vídeo negacionista do mico-leão-dourado?

“Nós temos que fazer a contrapropaganda. Isso faz parte do negócio”, justificou-se Mourão, confundindo o dever institucional de dizer a verdade com a “guerrilha da informação” típica do bolsonarismo de redes sociais.

O declínio de um vice que chegou a funcionar como contraponto civilizado de Bolsonaro mancha, inevitavelmente, a imagem das Forças Armadas.

Os militares são um símbolo perene da soberania nacional na Amazônia. A história os colocou na linha de frente da preservação do patrimônio ambiental constituído pelas florestas.

Hoje, porém, em nome de lealdades políticas circunstanciais ou de privilégios corporativos que se acumulam, eles curvam a espinha diante do crime ambiental. Isso não “faz parte do negócio” —e não será esquecido.​

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