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Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Descrição de chapéu Coronavírus

Leitura de feministas negras inspirou criação de iniciativa de prevenção à Covid-19

Brasileira distribui em Nova York luvas, álcool e máscaras para pessoas em situação crítica em meio à pandemia

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Inspirar-se em bons sentimentos é uma das mais poderosas atividades às quais podemos nos dedicar, uma vez que causadora de ações mais elevadas.

Em tempos em que a doença se multiplica na já adoecida sociedade, identificar-se com quem está se movendo e fazendo pelos valores da solidariedade e transformação social em comunidades atravessadas por desigualdades pode ser um caminho para não nos afundarmos nas tragédias que o país atravessa. Por isso, gostaria de contar um pouco a história da mineira Alline Parreira, que, com pouco, vem ajudando muitas pessoas em Nova York.

Pelas ruas, dentro dos condomínios, nos lugares mais insalubres, pessoas à margem fazem um trabalho ainda a ser reconhecido na sua grandeza. Sabemos todos que o país não parou. É claro, muita gente está em casa. Mas muita gente está em casa pois conta com o lixeiro passando na rua para recolher os sacos que estão mais cheios do que antes —lixos de banheiro, infestados de Covid-19—, conta com o porteiro do prédio que foi terceirizado por um raciocínio mesquinho e está sem direitos, com a faxineira que não obteve o auxílio de R$ 600 aprovado pelo governo, ou com a caixa do supermercado que não tem como passar um dia na fila em busca do que seria de imenso valor para comprar comida para casa.

Nos deliveries, as cozinheiras quase nunca vistas preparam a refeição e entregam aos rapazes na bicicleta, todos ganhando uma miséria de empresas que estão lucrando muito com essa exploração.

Em casa, as crianças fora da escola, comendo mais e mais, entediadas mais e mais. Se quarentenar é um desafio para quem mora em apartamento com varanda gourmet, o que dirá para quem a situação é de absoluta precariedade, sem acesso a água encanada, água potável, espaço em sua residência?
Meu ponto é: por quem as palmas não batem?

Isso significa questionar e fazer perguntas que nos levam a refletir: ora, por que inexiste um sistema de transferência de renda do Estado para um cidadão ou uma cidadã que não implique ficar dias em uma fila? Ora, por que mais de 14 milhões de pessoas no Brasil não têm saneamento básico e o que tem sido feito para tanto? Ora, como as empresas de entrega por aplicativo têm remunerado os entregadores e quais são os seus direitos trabalhistas?

Quais políticos defendem o fim do Estado ou o “Estado mínimo” e o que eles estão fazendo nesse momento? Se estão fazendo, isso de alguma forma substituiu a necessidade do Estado, que eles, em seus discursos e práticas, querem destruir? Qual a cor da pele da maioria dos lixeiros, faxineiras e cozinheiras?

São apenas algumas perguntas que mostram os infinitos caminhos por onde, a partir do seu lugar social, se toma responsabilidade pelas ações para transformar uma realidade.

Voltemos a nossa personagem. Em Nova York, uma brasileira nascida no sertão de Minas Gerais nos confere um grande exemplo de inspiração.

Alline Parreira vive em um abrigo público na cidade e, aos 29 anos, descobriu no lixo de um prédio luxuoso em Manhattan um carrinho de fazer compras que ela transformou no instrumento de um trabalho importantíssimo. A leitura de feministas negras, conta Alline, a inspirou a inventar o app Luxury Cart, com o qual distribui luvas, álcool e máscaras para pessoas em situação crítica e ,no momento, faz arrecadação coletiva.

Veja, Alline entendeu-se criticamente na sociedade e, a partir desse lugar, atuou para transformar a realidade do outro. Seguindo na potência do que Lélia Gonzalez nos ensinou, “o lixo vai falar e numa boa”, Alline transformou o que era lixo para o luxo em algo essencial para a prevenção de vidas consideradas descartáveis.

Patricia Hill Collins, importante feminista negra americana, já refletiu sobre a importância das mulheres negras tirarem proveito do lugar de marginalidade que ocupam na sociedade. Por conseguirem enxergar o mundo de um lugar não visto pelos outros grupos.

Alline descobriu a potência desse lugar e justamente enxergou aqueles que ninguém quer ver. Ela criou uma campanha de financiamento coletivo para conseguir comprar mais materiais para distribuição. Nas palavras dela, “eu tenho fé e coragem, é isso que eu posso oferecer e cada um dá o que tem”.

Alline tem mais do que isso. Sem romantizar sofrimento, ela explica na prática o que é alteridade e o modelo de sociedade pelo qual lutamos. Alline dos dá a possibilidade de sonhar um novo mundo.

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