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Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Descrição de chapéu América Latina

Obra de Vélia Vidal reflete sobre as relações de raça e gênero da Colômbia

Olhamos muito para cima e pouco para os nossos vizinhos na América, mesmo dividindo inúmeras similaridades

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Na última semana, escrevi o texto de apresentação do livro "Água de Estuário", publicação de autoria de Vélia Vidal.

Foi uma alegria enviá-lo, justamente porque foi a realização de um processo que começou em janeiro do último ano, quando a conheci, e culminou no envio da obra para a gráfica nesta semana, o que me animou para escrever este texto e contar essa história.

No começo de 2022, estive em Cartagena das Índias, na Colômbia, para participação do Hay Festival, de literatura. Foi minha primeira vez na cidade e a organização do evento me hospedou no belíssimo hotel Santa Clara, o qual, no passado, foi um convento e, na literatura, seguirá sempre o cenário do romance "Do Amor e Outros Demônios", de Gabriel García Márquez.

Andando pelas encruzilhadas carregadas de histórias do bairro colonial, mergulhei na cidade, que é uma das principais pontes entre as muitas que ligam a Colômbia ao Brasil.

Daquela feira, trouxe na memória os encontros. Foi uma honra ter estado na mesa com Wole Soyinka, o notável escritor nigeriano ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1986 e —conforme fui perceber da leitura do prefácio que assina da edição nigeriana do "O Genocídio do Negro Brasileiro"— companheiro de Abdias do Nascimento em diversas batalhas feitas em prol da população negra.

No dia seguinte, no teatro histórico às margens dos muros que serviam no passado como defesa contra invasões marítimas e onde hoje pessoas se reúnem para apreciar o pôr do sol, fui para mais uma participação na feira, mas desta vez com Vélia Vidal.

Ilustração de Aline Souza para coluna de Djamila Ribeiro, 29.jun.2023 - Aline Souza

Foi uma honra encontrá-la pessoalmente, após ouvir tanto de seu trabalho transformador. Vidal coordena uma organização de alfabetização da população no Chocó, onde nasceu, uma região de maioria absoluta de pessoas negras. Há alguns anos, também organiza a Fiesta de la Lectura y la Escritura del Chocó, a Flecho, onde visibiliza autoras e autores negros.

A Colômbia e o Brasil se parecem de muitas formas e, talvez quem sabe até por esse motivo, não dialogam como podem.

Por aqui, em face de razões múltiplas, olhamos muito para cima e pouco para os lados, como se nos déssemos por satisfeitos com nossa situação de delírio insular de um país enorme que, pela diferença de idioma e por outros fatores, não enxerga que divide o mesmo continente com outros países de inúmeras similaridades, inclusive no quesito de estratégias de sobrevivência e articulações políticas das populações negras e indígenas.

Por isso, sábia foi a escritora Lélia González quando pensou a categoria de "amefricanidade", "exatamente porque o próprio termo nos permite ultrapassar as limitações de caráter territorial, linguístico e ideológico, abrindo novas perspectivas para um entendimento mais profundo dessa parte do mundo onde ela se manifesta: a América como um todo —Sul, Central, Norte e insular".

Dentre as semelhanças, Colômbia e Brasil são dois países de maioria negra, mas onde escritoras negras tiveram historicamente imensas dificuldades em publicar seus trabalhos e obstáculos ainda maiores em vê-los reconhecidos em premiações. Vidal se tornou uma pioneira em láureas literárias de seu país.

Então, naquele teatro, enquanto a ouvia falar sobre o trabalho que desenvolvia e o contexto das relações raciais na Colômbia, em particular no departamento do Chocó, pensava em como o Brasil tinha muito a ganhar ao estreitar relações culturais com o país.

Saindo dali, almoçamos no hotel Santa Clara, onde foi selada a parceria para traduzir e publicar seu livro "Águas de Estuário", uma obra epistolar em que conta sobre a luta pela democratização da literatura, bem como reflete sobre as relações de raça e gênero no seu país, no Chocó e sua capital Quibdó.

Chegando ao Brasil, contei para Lizandra Magon, responsável pela editora Jandaíra, que não só topou, como assumiu a tradução da obra despachada à gráfica nesta semana.

Agora, nos preparamos para receber Vidal em agosto, na Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto, no interior paulista, e em várias outras cidades para o lançamento de sua obra.

Participar dessa realização com uma escritora negra colombiana foi, para mim, viver o sonho desenhado por Lélia González. Seja muito bem-vinda, Vélia Vidal!

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